Sunday, September 24, 2006

Desorientação Universitária

Uma reportagem de Abril da Carta Capital mostra que alunos da Unicamp, saídos de escolas públicas, tiveram rendimento melhor que seus colegas saídos de escolas particulares. É bem curioso: no vestibular, em apenas 5 dos cursos os alunos de escola pública conseguiram maior pontuação, em média, que os de escolas particulares. Uma vez na universidade, terminado o primeiro semestre, os de escola pública já tinham rendimento médio maior que os demais em 29 cursos.

"Pouca grana, muita gana", é o acertado título da reportagem. De onde vem essa gana, e por que ela é escassa entre os mais favorecidos ? Para alguns, a universidade é o pedaço de madeira com o qual vão construir um barco capaz de lhes tirar do córrego das privações e levá-los ao mar da prosperidade, através do rio da ascensão social. Outros, já nascidos no mar, empurram o pedaço de madeira com a barriga, ou o usam para surfar as divertidas ondas que o mar oferece.

Inúmeras vezes, nas universidades, tenho a sensação de estar perdendo tempo. A aula vazia, a presença necessária, o aprendizado inexistente. É difícil dizer até onde é incompetência do professor ou desinteresse do aluno, um alimenta o outro. Imagino um desses bons alunos de escola pública, no meu lugar, como agiria. Provavelmente não teria deixado de entregar o resumo da última quinta-feira. Talvez, no lugar do tédio, sentisse aquela curiosidade instigante, a tal fome de saber; não é necessário nenhum professor brilhante para acender essa chama nele - e ela resiste à mediocridade docente. Admiro esse meu colega, queria ser como ele. Por enquanto, sou mais um dos que não sabem o que fazer com o pedaço de madeira, e que desaprenderam a manter a chama acesa em algum momento do ensino médio.

Friday, September 08, 2006

Cenosidade

Recife ferve, e o vapor é um barato. O povo das artes agita, instiga e promove a tão falada cena da cidade. Na música, em especial, a euforia é grande. E tem razão de ser, já que várias bandas estão dando certo, no melhor sentido da expressão. A cena acena, sorridente, para quem quiser ver, e com internet é possível ser vista pelo mundo. E quem faz a cena são os cenosos.

O rótulo vem com uma pitadinha de fel para o reino da alegria. Quem usa o termo não faz parte da cena, e a frustração disso é que criou o rótulo, diriam os cenosos, com boas chances de acertar. Dá pra entender: a vida cenosa é deslumbrante, ao menos para quem está de fora. Do lado dos cenosos, a chinfra também não é pouca: é difícil ver um deles apagado, brilham o tempo todo, encantam lindas mulheres... a cenosidade é charme forte.

Claro que isso é prato cheio para os invejosos de plantão criticarem os cenosos sob os mais variados pretextos. A cena ganha sua anti-cena, que tenta disfarçar pela crítica a vontade de ser cena também. Do outro lado, há os defensores da cena, que buscam fazer parte dela através de elogios também carentes de critério. O diálogo entre os dois lados é divertidíssimo. Os interessados podem colher na comunidade do Orkut "Eu odeio Mombojó" (http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=1193883) uma ótima amostra dessa dialética da cenosidade.

Contra ou a favor, a cena se fortalece com os que se importam com ela. E o fortalecimento da cena é do interesse não só dos cenosos ou aspirantes, mas de todos que apreciam o agito por ela promovido. Com ou sem chinfra, é ótimo poder ouvir as pedras do samba, acompanhadas pelas lindezas dançantes. Mesmo que, no final, elas só queiram dançar com eles (cenosos) e dizer que é sem compromisso... vida de cenoso é boa demais!

Monday, September 04, 2006

Janelas Fechadas

-Cara, você precisa parar com isso.

Arthur gostava de dar conselhos. E desgostava de ver Tiago assim, como quem nada quer, desagradando com seu silêncio. Tiago tinha a mania de fechar as janelas, apagar as luzes e passar longos momentos no escuro.

-Isso o quê? - Tiago pergunta, ainda de janelas fechadas.

-Essa sua mania de se enterrar em seus devaneios e ficar cego e surdo para o mundo.

-Ah, é verdade... eu devia parar com isso. - responde Tiago, abrindo as janelas à contragosto.

-Você já parou pra pensar na quantidade de coisas que você perde com isso? Você sabe que o seu silêncio ajudou um bocado as meninas a irem embora mais cedo, né ?

-Por que, você acha impossível elas terem de estudar pra prova de amanhã ?

-Prova de amanhã, Tiago?! A sugestão de que nós quatro fôssemos dar uma volta na praia, você nem ouviu, né ?

-Volta na praia ? Acho que não...

-Quem sugeriu foi aquela menina, que passou os últimos 40 minutos na sua frente, esperando alguma atitude sua. Você ignorar a sugestão era o que faltava para ela lembrar de repente dessa prova e ir embora com a amiga.

-Ah, bem que eu tava achando estranho essa sua repentina preocupação comigo... você só tá aborrecido porque o que esperava não aconteceu.

-E você, aonde espera chegar desse jeito ? Vai deixar o tempo passar na janela, desperdiçar as oportunidades que a vida te oferece, pra ficar sonhando acordado, calado, isolado ? Se ao menos você compartilhasse seus sonhos...

Tiago não respondeu. Sabia que Arthur tinha razão. Ele próprio já pensara bastante no assunto, nos romances que deixou de ter... aquela menina mexia com ele, e ele a deixou ir embora... como tantas vezes já fizera. Compartilhar sonhos... será que ela gostaria de ouvir ?

-"Quem de dentro de si não sai, vai morrer sem amar ninguém..." - Arthur cantava, na intenção de provocar o amigo. Mas Tiago já fechara as janelas novamente, apesar e por causa do verso. Ele já saíra de dentro de si, e foi tanta felicidade... que logo logo desmoronou. Um pássaro que cai no melhor do seu primeiro vôo, e passa a se defender do voar. Voa baixinho, quase pulos mais demorados, e morre de saudade de quando voou de verdade.

-Deu 27 reais, Tiago. Tu tem trocado ?

Teria trocado... algumas cervejas e boa conversa por um pouco de alívio para solidão.