Sunday, June 24, 2007

Presunçoso preguiçoso

Eu às vezes penso que quanto mais obras se conhece
Mais se chega à sensação de que tudo já foi feito
Às vezes desmentida por um criativo que esquece
De se amarrar por aquilo que já se transformou em êxito

Todos os destaques da área que apetece
Lançam sobre quem cria dois distintos efeitos
Vontade de se firmar ao lado do tal mestre
Ou desânimo de ver fora do alcance tal respeito

Por mais que um atleta se esforce
O ouro exige mais que dedicação
Muitos darão o melhor de si e não conseguirão

Por isso o presunçoso preguiçoso nem se move
"Para quê batalhar por uma inatingível posição?"
E deixa de saber onde o levaria a vocação.

Saturday, June 23, 2007

3 sons chapantes

Tem uma música do Black Alien que vem fazendo minha cabeça inúmeras vezes nos últimos dias. Chama-se “From Hell do Céu”. Ouça e repare na riqueza das rimas do cara, que já fisga a atenção nos primeiros versos: “Me parece agora que eles perderam o controle/Nessa corrida de ratos sei muito bem quem tá na pole/Se agride ou agrada/O seu lugar no gride de largada, não muda nada...”.

Do rap ao samba, do Rio à Bahia, outro som tem batido recordes de execução nos meus auto-falantes. “Oxossi”, de Roque Ferreira, me chapa não pela letra, cheia de referências ao candomblé que desconheço, mas pelo ritmo, pela reverência do cara ao cantar, como se comandasse um ritual religioso – acho que, na verdade, é isso que ele está fazendo mesmo. Catarse garantida.

Por último, uma música de Paulinho da Viola, gravada por Marisa Monte: “Para ver as meninas”. Uma amiga defende que Marisa Monte é irritante, por deixar as músicas todas perfeitinhas. Bom, nessa música a excelência técnica dela, junto à singeleza da letra, passam um feeling assombroso.

Sunday, June 17, 2007

Espinha Ereta

Nada como uma boa postura. “É tudo uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranqüilo”, diz o samba “Coração Tranqüilo”, do compositor Walter Franco. Ele está certíssimo. Uma coluna saudável responde mais pela felicidade do que qualquer bem de consumo ou estado alterado de consciência. Pergunte a quem sofre de dor nas costas.

Quando pequeno, minha mãe sempre alertava: “Bernardo, olha a postura!”. Ela sabia do que estava falando. Descuidou da coluna ao longo da vida, e hoje sofre as dolorosas conseqüências. Eu, que sempre tive um “Do Contra” abobalhado dentro de mim, não dava bola e continuava envergado. E hoje, aos 22, já sofro um pouco pelo hábito nocivo.

Boa postura devia ser ensinada nas escolas. Passamos boa parte do tempo sentados vendo aulas, e uma coluna ereta exige atenção e disciplina, porque a tendência é deixar a gravidade agir e os ombros caírem, plantando a semente do sofrimento futuro. Não adianta só estimular os esportes, se boa parte do tempo será gasto sentado, diante do caderno ou da mesa de trabalho.

Todos os lugares em que as pessoas passam muito tempo sentadas deveriam ter uma faixa com a letra de “Coração Tranqüilo” escrita em letras garrafais, com “espinha ereta” em negrito. E todos os pais deveriam alertar seus filhos feito minha mãe, cabendo aos rebentos não serem trouxas como eu e seguirem o conselho.

Monday, June 11, 2007

Orgasmos Intelectuais

Venho observando que as artes não têm mexido muito comigo ultimamente. Artes visuais nunca me despertaram grandes coisas. Mas a música e a literatura, que já me provocaram aquelas viagens em que você sente o seu mundo interno se expandindo e transbordando de uma espécie de êxtase, bem definido por um antigo professor como "orgasmo intelectual", mesmo elas não têm me trazido sensações incomuns. Me pergunto se houve queda na qualidade das obras que aprecio, e vejo que, na verdade, é minha sensibilidade perdendo seu poder de encantamento.

Não sei explicar. Talvez uma defesa contra fortes sentimentos negativos tenha prejudicado a percepção dos positivos. Afinal, o canal é o mesmo: se há uma barragem para conter as águas sujas, vai bloquear as águas limpas que também passam por ali.

Sei que a atual falta de encantamento gera uma nostalgia que já está ultrapassando os limites do tolerável. O retrovisor dourado, que deixa o atual percurso sem graça. Ou a não-graça do percurso que me faz dourar o retrovisor. De todo modo, é preciso diminuir o peso das memórias. Senão fica difícil alcançar os orgasmos intelectuais.

Friday, June 01, 2007

Dentro da Bolha

A gente vai vivendo dentro da bolha, e quando se dá conta, já deixou de percebê-la... Fazendo os mesmos trajetos, porque a violência não recomenda certos caminhos, a violência é parceira da bolha, elas dividem os lucros no fim do mês. E esse mundo, vasto mundo, vai se tornando pequeno, como aquelas paredes dos desenhos animados, que vão diminuindo o espaço até que o herói escape por uma passagem secreta, evitando por segundos o esmagamento.

A bolha, o mundo pequeno... Neste momento, 22h46min, eu gostaria de caminhar pelas proximidades da minha casa, prestando atenção nos caminhos, em busca da passagem secreta. Mas em qualquer esquina pode haver uma armadilha mortal, ou pelo menos essa é a idéia corrente, e o medo, principal componente da bolha, me leva a não conferir o risco.

Falando assim, pareço um pirralho de condomínio rico, desconhecedor do mundo fora das cercas eletrificadas. Nada, eu já fui maloqueiro, andava pelas madrugadas de ônibus, e nem faz tanto tempo assim. A violência aumentou um bocado de lá pra cá, eu mudei de bairro, a bolha cresceu, ou melhor, a bolha diminuiu o meu mundo.

Tem hora que dá uma vontade danada de dizer: “que nada! Dane-se a violência, aqui quem comanda é a gente!”, como na época em que eu andava pelas madrugadas de ônibus, protegido pela inocência de me achar maloqueiro, ou pela violência ainda não tão grande. Era uma proteção bem melhor que a da bolha.

O que se pode fazer para sair da bolha? Correr risco ao andar pelas madrugadas de um bairro violento da capital mais violenta do Brasil? Só se for de carro, que meu escudo-de-inocência-maloqueira já se quebrou. Fazer trabalho social nas comunidades próximas à minha casa, ganhando o respeito da bandidagem e passe-livre pelas redondezas, além de contribuir um pouquinho para minimizar a violência? É uma boa opção, embora o tal respeito possa não passar de viagem minha. Mas a bolha, além de reduzir o mundo, e talvez exatamente por isso, também deixa apático. Descontente com a situação, mas sem energia para combatê-la. Até porque meus atos quase nada mudariam, e a estória de fazer a minha parte, embora bonita, é insuficiente para me tirar da inércia.

“Então morra na bolha, preguiçoso maldito!” – é o que escuto, de longe, do jovem inconformado que ainda não teve seu idealismo destroçado pelo mundo. Não faz tanto tempo que sua voz era próxima, quase saindo da minha própria boca, quando andava de ônibus pelas madrugadas da cidade. Pena que foi ficando distante, não por coincidência, à medida que fui me deixando aprisionar pela parceira da violência, com quem divide os lucros no fim do mês.