Friday, August 28, 2015

Somos todos crianças

No Brasil,
somos todos crianças.
Precisamos de alguém
que nos aponte os caminhos.

A dependência dos pais
beira o patológico.
Cordões umbilicais
asfixiando a autonomia.

Podemos trocar
pais por tios,
amigos, igrejas,
gurus.

Tudo para evitar
o confronto
com as forças que atuam
no próprio destino.

Jesus, Leviatã,
Oxossi, Iansã,
a mitologia é rica.

O Brasil depende de mitos.

De heróis,
salvadores da pátria,
gênios que compensem
uma estratégia deficiente.

Tutela pelas telas
Tutela pelos vínculos
Tutela pelo medo

de usar o tutano
para decidir, por si mesmo,
entre o sagrado,
o profano,

e a terceira lâmina.

Narcisos que somos
dependentes de espelhos
de modelos a seguir
dos olhares alheios.

Tudo isso me dá asco.

Mas faz parte de mim.

Pedaço de mim.

Que me coloca
em desarmonia
com Todos.

Sim, eu ignorava
brasileiros na Europa.

Porque eles me lembravam
a criança tutelada
que eu queria
e ainda quero

transformar em alguém
que assume as rédeas
da própria existência.





Friday, July 24, 2015

Com o Amigo ao violão

É muito fácil te perder
nos teus próprios labirintos.

É muito fácil enlouquecer 
ao reconhecer 
que a identidade é uma ilusão.

Quantos anos tinhas
quando passastes pela porta?
Pouco importa
O tempo é uma ilusão.

Em um ponto qualquer 
distante no tempo/espaço 
tudo já aconteceu.
Não importa tanto o que faço.

Heroísmo - mérito = martírio trouxa
Foi para isso que serviu
a malandragem do Cavouco?

Melhor ser Cowboy Fora da Lei
Se é para viver pouco
que seja sem sufoco.

Quanto tempo te resta?
Depende
do que você testa.

Se você testa o atestado
mesmo que esteja certo
odiará o resultado.

Se a ida é intensa
na direção equivocada 
a volta será tensa
e a revolta dará em nada.

Você não é um gladiador.
Você pode ser rápido 
mas não é tão forte quanto pensa.

Ou melhor 
a tua força não é bruta.
É o contrário.

É bobagem entrar na arena
ser triturado pelos selvagens 
devorado pelos leões.

Isso é delírio infantil.
É vingança da criança 
que chorava ao ganhar
as pouquíssimas brigas em que entrava.

Discipline a criança.
Não seja destruído por ela.
Descubra a vossa temperança.

Se não puder fazê-lo 
leave the Kid alone.
É esse o meu apelo.

Saiba ouvi-lo como ouve
com o carinho e atenção 
o cochicho de Pinxiguinha
com o Amigo ao violão.

Monday, July 13, 2015

O Josh imaginário

Kasparov precisa sair de cena.
Você está avaliando mal os riscos.
E você ainda está muito, muito longe 
de ser tão bom quanto Kasparov.

É hora de jogar como Karpov.
Defendendo o que o adversário levará três lances para atacar.
Triturando o adversário bem lentamente
com a calma e a frieza de uma Anaconda.

Você ainda está muito, muito distante dos seus Mestres.
Não há tempo a perder para aproximar-se deles.

Deixe o teu Josh imaginário te guiar.
Bobby Fischer torce por ti.

Wednesday, July 08, 2015

Tão medíocres quanto você

Os pais buscam ser heróis,
aos olhos dos filhos,
numa tentativa de compensar
a mediocridade da própria existência.

Amigos procuram socorrer
amigos que não pediram socorro
numa tentativa de compensar
a mediocridade da própria existência.

Ambos viajam pelo mundo
sem sair de suas bolhas.

Já que a verdadeira viagem
começa interiormente
muito antes da compra
da passagem.

Em meio a tudo isso,
frustrado com a mediocridade alheia,
você fecha os olhos
para a sua própria.

Para a sua mediocridade napoleônica
de se achar mais do que é.

E o gap entre o crer e o ser
ou melhor, o teu fazer diante dele,
pode te levar ao Olimpo.

Pode também te levar,
aos reinos de Hades,
de um Hospício.

But there is no turning back now.
O que tiver de ser, será.

Você já pagou pra ver.
E continuará pagando, até o fim.

Lembrando que o fim, é o Senhor.

O julgamento dele é o que te preocupa.
Humanos são enganos, medíocres por definição.

Tão medíocres quanto você.




Thursday, May 28, 2015

Le Soi et le Moi

S: Qu’est-ce qui te manque?
M: Par rapport à quoi?
S: Par rapport à ton bonheur.
M: Reconnaissance.
S: Comment tu veux être reconnu?
M: Comme un génie.
S: Tu l’es déjà.
M: Pas assez.
S: “Assez”, donc, serait quoi?
M: La postérité. 
S: Comme un génie? Tu peux le préciser?
M: Comme un génie de la littérature, de la philosophie et de l’éducation.
S: Tu l’es déjà, pour tes proches.
M: Pas assez.
S: Tu peux préciser “assez”, encore une fois?
M: Pour tout le monde.
S: Comme Dylan?
M: Oui, comme Dylan.
S: Est-ce que tu es disposé à en payer le prix?
M: Tu parles de quoi?
S: Tu te rends compte que Dylan ne peux pas sortir sans être suivi par une foule de paparazi?
M: …
S: Tu ne pourrais plus aller aux favelas, que aimes autant. Tu ne pourrais plus boire ta coca chez Madame Grinaura, avec tes potes.
M: C’est vrai.
S: Le prix de la reconnaissance que tu veux c’est ta liberté, que tu aimes autant.
     Alors, quelle des deux tu aimes le plus?
M: Je ne sais pas. Je dois réfléchir.

S: D’accord. Prends ton temps.

Sunday, May 10, 2015

Para Vovó Nina.

Querida Vovó Nina,

Já faz cerca de 15 anos que tu não está mais aqui. Eu tenho, agora, 30 anos. Metade da minha vida transcorreu sem te ver nem ouvir.

Mas, antes da tua partida, eu já te via muito pouco.

Eu lembro de ti, nessa época, me convidando, pelo telefone, a te visitar mais. Eu quase nunca ia.

Eu lembro de tu me perguntar o porquê de eu não te visitar com mais frequência. Eu lembro de você perguntar se a razão era você ser pobre, você morar no seu cantinho, em Jardim Brasil.

Eu lembro bem do seu cantinho. Eu ia muito lá, na minha primeiríssima infância. Quantos anos eu tinha? Três? Quatro? Não lembro. 

Eu lembro que, nesta época, eu só pensava em bolinhas de gude e em coletar pedras que eu achava serem preciosas, para formar uma mina de pedras preciosas parecida com a da ilustração do Manual do Escoteiro Mirim da Disney.

Quantos anos eu tinha, quando deixei de frequentar o teu cantinho? Também não lembro.

Eu lembro que, antes disso, quando eu ainda frequentava o teu cantinho, a gente lia, com frequência, a Bíblia. Você sentava no canto de um sofá, eu sentava no canto de um outro sofá. A gente formava um ângulo de 90 graus um com o outro.

Eu não lembro se a gente lia os mesmos trechos juntos, se a gente alternava, ou ambos. Eu lembro que eu focava muito mais no som do que no sentido, do qual eu entendia muito pouco. 

Mas eu percebia que, ao pronunciar bem todos os sons de todas as palavras, eu te deixava contente.

Eu deixei de ler a Bíblia quando deixei de frequentar o teu cantinho.

Hoje eu tive um dia difícil. Problemas sérios no trabalho, que me fizeram questionar não apenas a minha competência profissional, mas também a viabilidade dos meus sonhos.

O trânsito estava parado quando eu saí do trabalho. Eu entrei numa livraria para aguardar o Tempo melhorar o deslocamento.

Antes que eu me desse conta, eu estava lendo a Bíblia. Antes que eu me desse conta, eu estava lendo os Salmos e Provérbios.

Eu percebi que a leitura não apenas me acalmou, mas me propôs um caminho. Um caminho que viabiliza meus sonhos.

Ao chegar em casa, abri o livrinho de Salmos e Provérbios. Que eu sabia que tinha, mas que não me lembrava de ter aberto.

Ao abri-lo, talvez pela primeira vez, me deparei com a tua dedicatória. Ofertado a Bernardo, pela vovó Nina. Outubro de 1990.

Eu levei 25 anos para perceber o valor contido nos Salmos e Provérbios. Que você me deu de presente, no meu aniversário de seis anos.

Eu fiquei muito contente por ter, finalmente, achado e valorizado as pedras preciosas das minas do Rei Salomão.

Eu queria dividir esta alegria, tão tardia, contigo.

Eu espero que você possa, de alguma forma, ler este texto.

Ofertado à Vovó Nina. Pelo Bernardo. Abril de 2015.

Friday, April 17, 2015

O Caminho é a pedra.

Meu caro Drummond,

O teu Sentimento do Mundo
transformou a minha vida de verdade.
Dentre outras jazidas
que você legou à humanidade.

Quero aqui,
no entanto,
revelar uma discordância entre nós.

O Caminho é a pedra.
Sem a pedra, não há Caminho.
O Caminho, com "c" maiúsculo,
é a evolução.

A pedra é o obstáculo.
O obstáculo é a dor.
Logo, C = P = O = D = E.
Cê pode fazer o que cê quiser.

A evolução é a melhora do ser.
Cê pode ser quem cê quiser.

Sem a pedra, o caminho fica minúsculo.
A chegada não é melhor do que a partida.
Perda de tempo e energia,
se não houver diversão.

Eu te agradeço.
Por toda a diversão,
por toda a evolução,
que a tua poesia põe
na minha vida.

Mas ela agora está ávida
pelos Caminhos CPODE.

Com todo o amor e admiração.
Do teu discípulo,
Bernardo Lisboa.

(Poesia inspirada pelo título "The Obstacle is the Way", livro do autor Ryan Holiday, recomendado por Tim Ferriss.)




Sunday, March 22, 2015

A presença ausente

A fome de escrever toma conta de você. A energia é intensa; o tema, indefinido. Você sente vontade de trabalhar com a linguagem, com o maior foco de que é capaz, durante 45 minutos. Você sente que, ao mergulhar nesse processo, você emergirá um novo homem.

Não há tema. Não há uma estrutura prévia te indicando o caminho. Há cenas, pedaços de memória, propícios à uma análise pragmática, no intuito de identificar falhas, propor soluções, melhorar a tua performance. Isso pode ser feito, e será. Mas não agora.

Agora você usa a linguagem para se aproximar de um mistério. Um mistério para o qual a linguagem aponta; um mistério no qual a linguagem te impede de penetrar. Você está olhando para ele. Você quer mergulhar nele, mas não sabe como.

É possível fazer algo sem saber como fazê-lo ? Sem qualquer espécie de método ou instrução? É possível sondar um caminho diante do insondável? É o que você tenta fazer agora. Mas, antes de tentar, você já sabe que a tentativa está condenada ao fracasso. O que não te impede de continuar tentando.

Algo te pede para continuar tentando. Algo na tua pele te impele a continuar tentando. Algo que não se contenta, que te movimenta, que está contido em você, mas que você não pode conter. Algo muito maior do que você, embora você o perceba apenas como o arrepio na pele que te impele a escrever.

Você escreve. Você crê. Você vê. Mas você não consegue descrever. Você assiste esse algo crever lentamente, no sentido francês, na tua mente. Fica a memória de uma presença, agora ausente. Uma presença que não depende de crença, nem de visão, nem do que se sente. Uma presença contida na mente, mas que a mente não pode conter. Ou será que é a mente quem está contida nessa presença?

Você matou a fome de escrever.