Tuesday, September 23, 2008

Haikais

Haikais são esses poeminhas de 3 versos, que eu nunca tinha me aventurado a fazer até ser inspirado por alguns presentes na revista Ragu. Por favor não culpem a revista por quaisquer deméritos dessa minha aventurança - assumo total responsabilidade por qualquer naufrágio.

Meditação Transcendental
Após quebrar a cuca com o porvir
descobriu o próximo passo
uma rede para dormir

A dura aula de Educação Física
A bola rola até os pés da criança
enquanto sua mente se embola
com as palavras que não alcança

Presente de grego
Entregou o presente com cuidado
não sabia que se tratava
de um peido engarrafado

Saturday, September 13, 2008

Pedidos e defesas

Pedir dinheiro é uma prática com a qual eu tenho uma certa intimidade. No começo da adolescência, costumava ir aos sinais, alegando assalto e ausência de meios para voltar para casa, ou falta de recursos para realizar trabalhos de Feira de Conhecimentos, para converter a generosidade dos motoristas em subsídios para nossas farras etílicas. Eu não me orgulho, hoje, da falta de ética de então, embora a lembrança do fato me traga um sorriso nos lábios. Alguns tipos de diversão envolvem uma certa dose de sacanagem.

Agora, a situação se inverteu. Todos os dias meus trocados são suplicados pelos que carecem do que precisam, seja um prato de comida ou um copo de cachaça. Isso ocorre com tanta frequência que eu reajo como um robô, com uma resposta automática: tô sem moeda. É impossível atender a todos, e eu já aprendi a lidar com a culpa de não estar fazendo nada para ajudar a melhorar esse triste quadro.

Semana passada, no entanto, um pedido atravessou minhas defesas. Perguntando na banca de revistas qual a parada de tal ônibus, sou abordado por um cara de olhar angustiado:
-Parceiro, com licença, será que você não tem...
-Tô sem moeda - respondi, cortando o cara com meu automatismo.
-Né moeda não parceiro, é fome! Eu tô com fome, meu véio... acho que você não sabe o que é isso não, né?
Fiquei sem reação por alguns instantes, mas meu automatismo prevaleceu, ali na hora. Insisti na ausência de moedas, o cara me lançou um último olhar de frustração intensa, virou as costas e foi embora.

Caminhei atordoado para a parada de ônibus, e logo a confusão deu lugar ao arrependimento, de ter deixado minha couraça robótica tomar conta daquela situação. Chequei a carteira e vi que de fato só tinha umas poucas moedas, que mal dariam para uma pipoca, mas havia um banco perto, e eu tive vontade de correr atrás do cara para pagar-lhe um prato feito, conversar sobre as dificuldades dele, colaborar de alguma forma para ajudar um dos inúmeros personagens do triste quadro, um personagem cujos olhares e fala conseguiram furar o escudo resultante de anos de exposição diária à miséria alheia.

Mas eu demorei demais para transformar minha vontade em ação, o cara já deveria estar longe, e eu já estava em cima da hora para um compromisso... em pouco tempo meu ônibus chegou, e eu percebi que esse furo nas minhas defesas renderia apenas um texto, uma outra forma de defesa, que suaviza minha angústia, mas não a do cara que a gerou.