Thursday, December 28, 2006

Gentileza não é Frescura

Gentileza não é frescura. As melhores conversas são as horizontais (não essa que pensais, ó mente profana), aquelas em que os falantes estão no mesmo nível. As diferenças de status, poder, dinheiro ou talento devem ser deixadas de lado, ou levadas na brincadeira, para o bem da conversa. Senão, a conversa fica vertical, como um prego na areia, facilmente derrubável pelo mais insignificante dos ventos. Já o prego na horizontal, sob o mais forte vendaval, apenas mudaria de local, podendo flutuar, ao lembrar da sonhada mulher, para logo em seguida desabar, ao vê-la nos braços de um outro qualquer.

Diversos homens se sentem desconfortáveis com a gentileza, receosos de que ela lhes comprometa a masculinidade. Talvez por isso os gays sejam tão populares com as mulheres, não esquecendo, é claro, que a ausência de risco predatório eleva bastante o grau de intimidade e cumplicidade. Essa grosseria masculina prejudica as conversas, visto que é a gentileza que deita o prego, embora alguns só o façam quando vão à cama ou a nocaute, o que os torna desmerecedores de boas conversas. Quando dois deles se encontram, não há conversa e sim dois monólogos, um tentando superar o outro na milenar arte da preguice.

Claro que a grosseria tem seu lugar nas boas conversas, principalmente como recurso humorístico. Tirar onda com o próximo também é ótimo, desde que a gréia vise o sorriso de todos, e não apenas a cara amarrada do greiado, cabendo a ele recusar o papel de estilão. Mas não falo da grosseria engraçada, e sim da praticada por receio de implicações baitolísticas. Acabemos com essa bobagem de uma vez por todas: gentileza não é frescura.

Wednesday, December 27, 2006

Contagem Regressiva

Quanto tempo leva um desejo
Para realidade se tornar?
Horas e meninas levadas eu vejo
No devaneio em cuja tela
Não me canso de pintar

Anos podem passar carentes do fato
O quadro pendurado na parede do inviável
A espera nunca é vista com agrado
Contagem regressiva cujo fim é variável

Tentando adivinhar, em más horas emudeço
Fico cego para a via em que devo caminhar
Uma bola de querer esperando o arremesso

Eis que uma música qualquer me lança contra a parede
Onde o quadro pendurado está cansado de aguardar...

... e a parede cede ao fato do consumado desejo.

Wednesday, December 13, 2006

Racionalização

A notícia não poderia ser mais noticiável: “Garota reage e mata estuprador” (Capa do Diário de Pernambuco, de 12/12/06). Sexo, sangue e singularidade, os três esses do sucesso, também do Six Six Six, the number of the beast, pra adequar a viagem aos meus leitores metaleiros. Confesso que fiquei com uma simpatia enorme pela menina. Que coragem! Em casos de estupro, eu concordo com o filósofo Jeremias, (http://www.youtube.com/watch?v=87xcp4FeQSI) quando declara que “quem é safado tem que morrer”, e quando a execução é feita em legítima defesa pela vítima.

Até os próprios bandidos repudiam estupradores, de acordo com os Racionais Mc´s (http://www.box.net/public/uoo2p27mzm), grupo de rap que faz da violência o grande tema de suas letras. Para mim, burguês metido a mala, ouvir Racionais foi daquelas experiências inesquecíveis, um universo que eu precisava conhecer, irresistivelmente. Eu conseguia enxergar, naquelas letras retratando a bandidagem, a indicação de outros caminhos que não o crime. Ao dissecá-lo, coisa que fazem muito bem, Mano Brown e Cia mostram que ele não vale a pena, apesar das vantagens imediatas que oferece – o preço pago é alto demais, e a cobrança vem mais cedo ou mais tarde. Eu acreditava que, se os bandidos em potencial ouvissem Racionais, aquilo os faria parar pra pensar, e possivelmente optar por ficar longe do crime.

Não fiz nenhuma pesquisa de campo para comprovar minha teoria. Mas, no Acaiaca, onde volta e meia o galego que vende cd pirata coloca Racionais pra tocar, noto que os “elementos suspeitos” cantam com especial prazer o refrão “hoje eu sou ladrão/pratico 157/as cachorra me ama/os playboy se derrete”. (http://www.box.net/public/9lad39fuez) O protagonista da letra morre no final, e Brown recomenda estudo e distância do crime à molecada da favela, mas ainda não vi ninguém nem cantar, quanto mais se empolgar com essa parte. Isso me fez repensar minha teoria.

Ouvir Racionais, por um lado, dá uma certa “credibilidade das ruas” ao ouvinte burguês, ou pelo menos é isso que ele acha: imagina o bandido vindo assaltar o “burguês-mala” e ele tentando se defender com um “pera ae mano, eu ouço Racionais!”. Provavelmente ouviria um “Ah é? Então canta Capítulo 4 Versículo 3 (http://www.box.net/public/i7sska1pau) enquanto eu te deixo de cueca!” (alguém aí lembrou do grande Boça, de Hermes e Renato? :D). Certo, esse parágrafo não tem nada a ver com a teoria, mas é que eu achei a piada boa e não encontrei lugar melhor pra ela. A coisa volta a ficar séria no próximo.

O problema é que o lado construtivo das letras dos Racionais, e aqui eu faço uma extensão a todo hip-hop que retrata a bandidagem, pode se diluir na exaltação da vida do crime. As letras em primeira pessoa encarnam criminosos, eles acabam se estrepando no fim, muitas vezes arrependidos. Mas o cara que ta pensando em ser bandido vai escutar bem alto a saga criminosa e bem baixo a lição final, de acordo com minha insuficiente amostragem do Acaiaca.

Claro que, dentre as variáveis que levam ao crime, a (distorcida) recepção das mensagens dos Racionais não deve ter grande peso. Pobreza, apelos do consumo e ostentação são os lutadores de sumô, no caso. Mas não dá pra deixar de notar que os crimes vêm ficando mais violentos. Hoje mesmo aconteceu outro assalto com ferido, na Av. Boa Viagem. Isso sem falar na cachoeira de sangue que despenca nas periferias e não ganha da mídia a mesma cobertura dos “sangue-azul”. E não dá pra deixar de notar que Racionais e outros hip-hops violentos têm se tornado cada vez mais populares. Alguma conexão entre os fatos? Só uma boa pesquisa de campo pode responder. Fica como promessa para quando a preguiça me abandonar.

Friday, December 08, 2006

Falta Poesia em Minha Vida

Falta poesia em minha vida.
Aquele clarão da cortina que levanta
com algo explodindo dentro, me fazendo rir.
Isso não acontece há algum tempo.

Talvez um precoce desencanto com o mundo
tenha retirado da minha pupila a capacidade de filtrar a luz.
Ou talvez meu ego tenha me deixado cego.
Parece que só consigo falar dele.

Falta poesia em minha vida.
Os livros permanecem não lidos.
O trago não traz encantamento.
Os caminhos me levam sempre ao mesmo ponto.

Caminho em círculos, sem prestar atenção.
Me visto de blasé, mesmo sem gostar da roupa.
Procuro água numa fonte que já secou.
Escondo as mágoas em lugares que tento esquecer...

Mas não esqueço, não expresso, não resolvo
Permaneço imanifesto, fingindo não dar valor
Ator despreparado que não sai do mesmo papél
Dirigido pelo tolo que meu ego se tornou...

...por deixar a poesia faltar em minha vida.

Friday, December 01, 2006

Astronautas

Vi um filme muito bacana essa semana. Os Astronautas. É a história de um viciado em heroína que, aos 40 anos, decide largar o vício. Ele não tem um emprego, mora num cortiço, sozinho. E carrega o estigma de ser visto pelas outras pessoas como um louco - ele realmente se comporta como um, em algumas situações. Poeta, com algum talento para artes plásticas e amante da música underground, ele é o que os americanos chamam de fracassado. Alguém que não conseguiu vencer na vida. E isso nos leva a alguns pontos interessantes.

"Vencer na vida" é a medida pela qual as pessoas normalmente avaliam umas às outras. Significa um bom emprego, que viabilize seu sustento e garanta o acesso a supérfluos que já se tornaram essenciais. Significa ter alguém para amar, mesmo que esse "alguém" se alterne em vários ao longo do tempo. Significa ser visto com respeito e simpatia pelos outros, cabendo aí alguma inveja da sua posição. Significa ter superado os vários obstáculos que separam a maioria das pessoas desse objetivo (algumas pessoas já nascem com a "vida vencida", mas elas são estatisticamente desprezíveis). Aos 40 anos, espera-se que você tenha "chegado lá", ou pelo menos subido uns bons degraus na escada. Essa é a visão dominante.

Há quem discorde. Existem os que querem nada mais que "uma casa no campo, onde possam plantar seus amigos, discos e livros" (http://www.box.net/public/7v6r0kfiui). Ou os que sabem "o quanto é difícil encontrar, de 10 homens ricos, apenas 1 com uma mente satisfeita" (http://www.box.net/public/q56e34l8hy). Ou ainda os que dizem "que não é preciso achar solução para vida, ela não é uma equação, não tem de ser resolvida" (http://www.box.net/public/rtmt8kjtfj). Estas idéias alimentam os que não querem medir a si e aos outros pelo critério "vencer na vida". Não querem fazer parte desse sistema, e são vistos como astronautas pelos adeptos dele. "Se antene, se ligue, caia fora". E então chegamos à questão das drogas.

A realidade nos afeta a partir do modo pelo qual a percebemos. Se alteramos essa percepção, a sensação é a de alterar a realidade, embora isso não aconteça de fato. A realidade permanece a mesma, embora ofereça incontáveis maneiras de ser percebida. Podemos ir embora para Pasárgada no fim do dia, para aliviar as pressões do cotidiano, ou simplesmente porque lá é melhor que aqui. No entanto, a passagem de ida para Pasárgada, oferecida pelas drogas, não custa o mesmo que a passagem de volta, se você resolveu morar de vez na cidade. Para ir, basta algum dinheiro. Para voltar, é preciso uma tremenda força de vontade, que a própria estadia em Pasárgada já fez questão de enfraquecer.

"O refúgio em Pasárgada é um consolo para os fracassados que não conseguiram vencer na vida", diriam os poderosos, do alto da escada. "Prefiro viver em Pasárgada do que fazer parte da podridão que alimenta esse sistema", diria um hóspede de longa data da cidade. "Eu prefiro um galope soberano à loucura do mundo me entregar" (http://www.box.net/public/cpf9nukyuv), já disse Zé Ramalho, que volta e meia vai para Pasárgada, mas sempre volta a esse "mundo louco", para contar o que viu por lá. Ele prova que astronautas podem viver bem na terra. É só não se perder no espaço.

Sunday, November 26, 2006

Espertos e Otários

Chovia muito, naquela noite. Duas paulistas ao meu lado no avião, iam curtir as férias em Natal. Eu tinha visto a previsão do tempo para a semana, e resolvi prepará-las para o pior. Sempre faço isso. Acho que é uma boa forma de diminuir frustrações. Contei em tom de piada, elas sorriram... meio amarelo no começo, mas logo estavam rindo de verdade da situação.

"Rir das ironias com que a vida nos confronta". Clichezão de auto-ajuda, sem dúvida. Mas eu sempre me perguntei: por que esses livros vendem tanto? Depois de ler alguns, descobri que eles fazem você se sentir bem. Todo mundo deseja progressos para si. Tornar-se uma pessoa melhor. Mas esta é uma idéia muito abstrata. O que esses livros fazem é indicar ações concretas que levam à idéia abstrata. Como as religiões. Só que não procuram convencer por meio de uma fé que pouco explicam. Não, eles são cheios de explicações, algumas convincentes, outras nem tanto, mas que, das duas, uma: ou te fazem se sentir bem ou te fazem pensar que o autor acha que você é um otário. O engraçado é que o otário se sente bem com a leitura, enquanto o cético se irrita. E, se o lema é "sinta-se bem o quanto puder", o otário é o esperto e o cético é o otário.

Eu gostei dessa idéia, achei esperta. Queria ter pensado nela naquela noite, acho que impressionaria as paulistas, e quem sabe elas não decidiriam desembarcar em Recife, inclusive porque o tempo lá estaria melhor, segundo a previsão, ou melhor, segundo meu relato da previsão. Mas não, não pensei nisso na hora, não impressionei as meninas, e a improvável flechada do desembarque não teve a menor chance de atingir o alvo, porque nem chegou a sair do arco. Diga aí, se eu tivesse conseguido mudar o destino das paulistas. Iria me achar a "lâmpida" de Adoniran. (http://www.box.net/public/2n9kssk4zd) Meu ego iria na altura do de Justin Timberlake ("Faço o 'Sexy' voltar/esses putos vêem como ataco/se a mina é sua, melhor se cuidar/porque ela me quer e isso é fato").

Vendo por esse lado, que bom que não tive a idéia na hora, ela poderia comprometer meus projetos de humildade e desenvolvimento espiritual. Até parece... até parece que sou otário.

Saturday, November 25, 2006

A Verdade sobre a Babilônia

Muita gente usa a palavra “Babilônia” de forma equivocada. Uma festa enfumaçada, potencialmente orgiástica, “é a Babilônia!”, para muitos. Nesse sentido, Babilônia seria algo positivo, diversão da fera.

O contexto real da palavra, no entanto, não é esse. Pensei em fazer um texto pra jogar luz no assunto, mas já há um texto que fala tudo o que é necessário saber sobre a questão. E, de quebra, o texto vem inserido num dub de primeira. Trata-se de “Muita falta de anti-profissionalismo dub”, faixa do disco Piratão, do Quinto Andar, cantada por Bnegão. Ouçam, e descubram a verdade sobre a Babilônia.

http://www.box.net/public/q39g5bdjnh (para os não muito habituados à tecnologia, é só clicar no link e clicar em "play" :P)

Thursday, November 23, 2006

Promessa de fim de ano

"Há sempre uma musa ordinária esperando para ser trabalhada. Quem fica sentado esperando ser fulminado por um raio de inspiração não persiste." - Robert Crumb

Tava observando os intervalos entre os posts desse meu blog. Volta e meia, eles ficam enomes. O engraçado é que quase todo dia eu entro para checar o número de visitas, mas passo semanas sem colocar nada de novo. Como diria um amigo meu, tô querendo pegar o gabarito sem ter feito a prova. Ou colher o que não plantei.

Essa tal de inspiração é curiosa. Todo mundo que faz algo criaivo com regularidade sabe como é bom trabalhar inspirado. Você tropeça nas idéias, são tantas que é até difícil escolher, e elas parecem se desenvolver por elas mesmas, como se você tivesse apenas aberto a represa, e deixado o rio seguir seu fluxo.

O danado é que volta e meia essa represa não abre de jeito nenhum. Você força, reforça, e não destroça a barreira. Quer dizer, eu devo admitir que não forço muito não. Se tá muito difícil, prefiro esperar até ficar mais fácil. E isso às vezes leva um bom tempo.

O problema não é tanto o tempo de espera, eu não tenho pressa, minha fase Devotos já passou. O problema é o tempo de treino (logo, de desenvolvimento) que vai sendo desperdiçado. A sensação de não estar desenvolvendo satisfatoriamente minhas potencialidades. Isso me incomoda um bocado.

Por isso resolvi colocar em prática a frase de Crumb, e comprar mais ações de persistência, da qual minha bolsa de valores carece. Postar todo dia pra mim é quase uma utopia, mas fica como meta que, mesmo não alcançada, já vale pela busca. O blog tá na Web, mas a web não deve acumular no blog. Meu futuro agradece.

Tuesday, November 07, 2006

Veredas da Babilônia

Identidades construídas com areia
pretensões de diamante, realidade de vidro.
Desejos debatendo-se na teia
prisões decoradas com estilo.

Gargalhadas estridentes como quem receia
o pecado de pela melancolia ser atingido.
Vaidades lutando por brincadeira
encantos desprovidos de sentido.

O vazio é imenso para quem tateia
pelas veredas da Babilônia, perdido.
A fome não é suprida por tanta ceia
a alma não se sacia com o divertido.

Monday, October 09, 2006

O Opositor

Carrego comigo um desconhecido.
Ou melhor, um conhecido de quem sei pouco.
Ele gosta de sombras, eu prefiro não jogar luz.

Algumas vezes ele me diz o que fazer
Noutras, ele mesmo faz no meu lugar
Ele é metade o que desejo ser... metade o que tenho medo de me tornar.

É difícil encará-lo de frente
compreender suas razões
e poder agir em desacordo.

Quando o olho, ele se aproxima do meu olhar...
chega tão perto que deixo de vê-lo.
E o que nos separa desaparece.

Sei mais sobre ele do que penso;
pensar sobre ele que é difícil.
Louvado saber que não vem do pensar.

Sabendo-me fraco diante dele
busco outra maneira de me livrar
do seu peso a me afastar das metas.

Sunday, September 24, 2006

Desorientação Universitária

Uma reportagem de Abril da Carta Capital mostra que alunos da Unicamp, saídos de escolas públicas, tiveram rendimento melhor que seus colegas saídos de escolas particulares. É bem curioso: no vestibular, em apenas 5 dos cursos os alunos de escola pública conseguiram maior pontuação, em média, que os de escolas particulares. Uma vez na universidade, terminado o primeiro semestre, os de escola pública já tinham rendimento médio maior que os demais em 29 cursos.

"Pouca grana, muita gana", é o acertado título da reportagem. De onde vem essa gana, e por que ela é escassa entre os mais favorecidos ? Para alguns, a universidade é o pedaço de madeira com o qual vão construir um barco capaz de lhes tirar do córrego das privações e levá-los ao mar da prosperidade, através do rio da ascensão social. Outros, já nascidos no mar, empurram o pedaço de madeira com a barriga, ou o usam para surfar as divertidas ondas que o mar oferece.

Inúmeras vezes, nas universidades, tenho a sensação de estar perdendo tempo. A aula vazia, a presença necessária, o aprendizado inexistente. É difícil dizer até onde é incompetência do professor ou desinteresse do aluno, um alimenta o outro. Imagino um desses bons alunos de escola pública, no meu lugar, como agiria. Provavelmente não teria deixado de entregar o resumo da última quinta-feira. Talvez, no lugar do tédio, sentisse aquela curiosidade instigante, a tal fome de saber; não é necessário nenhum professor brilhante para acender essa chama nele - e ela resiste à mediocridade docente. Admiro esse meu colega, queria ser como ele. Por enquanto, sou mais um dos que não sabem o que fazer com o pedaço de madeira, e que desaprenderam a manter a chama acesa em algum momento do ensino médio.

Friday, September 08, 2006

Cenosidade

Recife ferve, e o vapor é um barato. O povo das artes agita, instiga e promove a tão falada cena da cidade. Na música, em especial, a euforia é grande. E tem razão de ser, já que várias bandas estão dando certo, no melhor sentido da expressão. A cena acena, sorridente, para quem quiser ver, e com internet é possível ser vista pelo mundo. E quem faz a cena são os cenosos.

O rótulo vem com uma pitadinha de fel para o reino da alegria. Quem usa o termo não faz parte da cena, e a frustração disso é que criou o rótulo, diriam os cenosos, com boas chances de acertar. Dá pra entender: a vida cenosa é deslumbrante, ao menos para quem está de fora. Do lado dos cenosos, a chinfra também não é pouca: é difícil ver um deles apagado, brilham o tempo todo, encantam lindas mulheres... a cenosidade é charme forte.

Claro que isso é prato cheio para os invejosos de plantão criticarem os cenosos sob os mais variados pretextos. A cena ganha sua anti-cena, que tenta disfarçar pela crítica a vontade de ser cena também. Do outro lado, há os defensores da cena, que buscam fazer parte dela através de elogios também carentes de critério. O diálogo entre os dois lados é divertidíssimo. Os interessados podem colher na comunidade do Orkut "Eu odeio Mombojó" (http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=1193883) uma ótima amostra dessa dialética da cenosidade.

Contra ou a favor, a cena se fortalece com os que se importam com ela. E o fortalecimento da cena é do interesse não só dos cenosos ou aspirantes, mas de todos que apreciam o agito por ela promovido. Com ou sem chinfra, é ótimo poder ouvir as pedras do samba, acompanhadas pelas lindezas dançantes. Mesmo que, no final, elas só queiram dançar com eles (cenosos) e dizer que é sem compromisso... vida de cenoso é boa demais!

Monday, September 04, 2006

Janelas Fechadas

-Cara, você precisa parar com isso.

Arthur gostava de dar conselhos. E desgostava de ver Tiago assim, como quem nada quer, desagradando com seu silêncio. Tiago tinha a mania de fechar as janelas, apagar as luzes e passar longos momentos no escuro.

-Isso o quê? - Tiago pergunta, ainda de janelas fechadas.

-Essa sua mania de se enterrar em seus devaneios e ficar cego e surdo para o mundo.

-Ah, é verdade... eu devia parar com isso. - responde Tiago, abrindo as janelas à contragosto.

-Você já parou pra pensar na quantidade de coisas que você perde com isso? Você sabe que o seu silêncio ajudou um bocado as meninas a irem embora mais cedo, né ?

-Por que, você acha impossível elas terem de estudar pra prova de amanhã ?

-Prova de amanhã, Tiago?! A sugestão de que nós quatro fôssemos dar uma volta na praia, você nem ouviu, né ?

-Volta na praia ? Acho que não...

-Quem sugeriu foi aquela menina, que passou os últimos 40 minutos na sua frente, esperando alguma atitude sua. Você ignorar a sugestão era o que faltava para ela lembrar de repente dessa prova e ir embora com a amiga.

-Ah, bem que eu tava achando estranho essa sua repentina preocupação comigo... você só tá aborrecido porque o que esperava não aconteceu.

-E você, aonde espera chegar desse jeito ? Vai deixar o tempo passar na janela, desperdiçar as oportunidades que a vida te oferece, pra ficar sonhando acordado, calado, isolado ? Se ao menos você compartilhasse seus sonhos...

Tiago não respondeu. Sabia que Arthur tinha razão. Ele próprio já pensara bastante no assunto, nos romances que deixou de ter... aquela menina mexia com ele, e ele a deixou ir embora... como tantas vezes já fizera. Compartilhar sonhos... será que ela gostaria de ouvir ?

-"Quem de dentro de si não sai, vai morrer sem amar ninguém..." - Arthur cantava, na intenção de provocar o amigo. Mas Tiago já fechara as janelas novamente, apesar e por causa do verso. Ele já saíra de dentro de si, e foi tanta felicidade... que logo logo desmoronou. Um pássaro que cai no melhor do seu primeiro vôo, e passa a se defender do voar. Voa baixinho, quase pulos mais demorados, e morre de saudade de quando voou de verdade.

-Deu 27 reais, Tiago. Tu tem trocado ?

Teria trocado... algumas cervejas e boa conversa por um pouco de alívio para solidão.

Tuesday, August 22, 2006

Liberdade

"A liberdade é algo tão importante que deve ser racionada". A frase de Lênin aponta para o autoritarismo. Seus extremos, na forma de ditaduras truculentas, tiveram como resposta a luta pela liberdade. Tempos românticos, artistas agigantavam-se para lutar contra o monstro da opressão. Foi grande a festa, até Deus veio olhar "a evolução da liberdade até o dia clarear", quando a ditadura caiu. A liberdade, agora, era um direito inegociável, lutar por ela tornou-se desnecessário. O combate já terminara, com resultado desejado.

O que não se desejava eram os efeitos colaterais da ausência de lutas pela liberdade. Se não se batalha para conquistar, a conquista não tem valor. Muitos dos nascidos após a queda do monstro foram criados com muita liberdade e pouca racionalização. Não fazer isso era afinar-se com o autoritarismo que tanto se quis derrubar.

Em nome da liberdade, a permissividade tomou conta. A geração que já nasceu com seu monstro derrubado carrega um vazio, e tenta preenchê-lo "erguendo estranhas catedrais". Não reconhecem batalhas além das do prazer imediato; as outras são fardos a serem suportados, se muito.

É preciso meditar sobre a frase de Lênin. Talvez ela não aponte apenas para o autoritarismo extremo que desejamos manter no passado. Talvez ela aponte para uma disciplina interna, onde o indivíduo reconhece seus monstros e assume a luta contra eles. Porque a vida sem batalha se transforma em espaços de tédio que os pincéis do entretenimento tentam preencher, mas não conseguem.

Sunday, August 13, 2006

Dança Furtiva

O que não foi dito.
Imaginado, ponderado ficou
na suspensão das hipóteses, e seus prováveis efeitos...
tão bons de se imaginar, o ego a inflar sem motivos reais...
derrapando nos sinais, a indicar o que não admitirias.

Nem eu admito, tão estranho que seria
o que imagino com ardor de desejo reprimido.
desprezando admissões, nossos olhos se provocam
dizem claro o que a boca insiste em disfarçar
e me levam a preparar frases belas que não direi.

Nada dito no sentido que importa
importância que é melhor fingir não haver
para além do fingimento, o sentido dança furtivo
imaginando o prazer de ser descoberto
e constatando que descoberto não pode ser.

Tuesday, August 08, 2006

Ansiedade de Desempenho

Algumas pessoas não se sentem bem se não estiverem no controle. Outras precisam brilhar todo tempo. “Holofotes, por favor, não me deixem ficar triste”. Existem os que desabam se não fazem tudo da melhor maneira possível. E há os que não se importam se algo não está da melhor maneira, mas se condenam com torturas paralisantes se algo está abaixo do regular.

A preocupação com o desempenho tanto pode melhorá-lo quanto piorá-lo. Cada atividade exige determinado equilíbrio entre estresse e relaxamento, para correr bem.
Terminado o ato, com resultado abaixo do esperado, começa a projeção do que estava errado, para uma melhora futura. Processo saudável, evolutivo, mas angustiante para aquelas pessoas que sofrem com a ansiedade de desempenho. Cada erro é uma culpa, um espaço onde se falhou ao ocupar. Cada culpa se dilata durante a projeção, com a cena do que deveria ter sido feito. “Isso é uma bobagem, o que passou, passou; deve-se deixar ir embora”, nos recomenda o bom-senso. Mas a mente de muitos parece programada para não atender às recomendações.

Pessoas com ansiedade de desempenho são receosas em sair de seu território habitual. Novidade e erro costumam andar juntos. Por isso preferem se dedicar a poucas atividades, as que já dominam. E sofrem com a vontade de fazer o que não sabem, reprimida pelo medo da frustração decorrente do desempenho ruim.

Lembro que, quando criança, sempre ficava de fora quando a turma jogava futebol. Lembro que a coordenadora da escola, observando meu isolamento, me incentivou a participar: “Depois, quando a gente cresce, quer voltar a esses momentos de criança. Se prive não...”. Dos momentos que não me privei, muitos nem lembro mais, e os que lembro me confortam com a sensação de algo preenchido. Já o desconforto do vazio dos momentos em que me privei, esse não me deixa esquecer. Daí a necessidade de se marcar o futebol com meus amigos perna-de-pau. Porque minha ansiedade de desempenho não me deixa jogar com quem manda bem, e por querer tentar, simbolicamente, preencher a lacuna do passado no presente. Preferencialmente, marcando o gol da vitória que vai impressionar a menina bonita a olhar a partida.

Monday, July 31, 2006

O poço encantado

Tão poético era quando mais moço
aquele rapaz de rosto sombrio
andava como se encontrado o poço
encantado desejo da palavra sutil

Tão bela a menina do primeiro verso
que o ego transbordava feito navio
quando se rompe a proteção do imerso
e o mar invade tudo que era vazio

Tão rápido a poesia se transformou
o mar virou sertão que preferiu
o cinismo ao amor que não vingou
amar sempre foi um ato imbecil

Tão demorada a ferida sarou
sertão irrigado por estreito rio
estreita também a poesia ficou
o poço encantado na areia sumiu.

Thursday, July 27, 2006

A soberba humildade

Soberba, um dos sete pecados capitais. Segundo São Tomás de Aquino, o mais problemático, pois impede que se reconheça todos os outros. O elemento que “se acha” muito se empenha pouco em melhorar. Afinal, não há muito o que melhorar, ele já é “O” cara...

Alguns consideram a humildade incompatível com uma auto-estima elevada. Se sua vida vai bem nas diversas áreas que lhe importam, não lhe faltam motivos para mandar a humildade para bem longe, certo ? A soberba é divertida, e a humildade é apenas o refúgio daqueles que não são tão bons quanto você.

Quando nos consideramos de fato bons em algo, a soberba nos tira para dançar, assim como nas vitórias importantes. Poucos recusam o convite. Recusar por quê, se a dança é instigante, embriaga o ego, faz sentir-se importante? Podemos até aparentar modéstia, porque uma arrogância descarada atrai antipatia, enquanto dizemos para nós mesmos como somos os tais.

Há, porém, uma razão soberba para manter a soberba afastada: ela atrai infortúnio. A vida logo procura ensinar aos arrogantes que salto alto não é bom para trilhar seus caminhos. Quantas trajetórias promissoras não foram desperdiçadas pelo deslumbramento? Isso fica evidente em competições. Já observei que o momento em que relaxo por achar que a partida está ganha muitas vezes é seguido de uma virada inesperada. Lidar com derrotas, então, é um problema para os “assoberbados”. Eles procuram, com ansiedade e frustração, uma razão para o seu desempenho pior, porque não aceitam que o desempenho adversário tenha sido melhor por méritos do oponente. Afinal, o oponente não pode ter mais méritos do que eles próprios.

“O sábio abandona a obra assim que ela se termina”. Desapego do resultado. Manter a serenidade quando algo dá muito errado já não é fácil, mas o mais complicado é manter a serenidade quando algo dá muito certo. E é nessa serenidade perdida que floresce o infortúnio, adubado pela arrogância que descuida do que trouxe o bom resultado. A menina está rindo, gostando do papo. No momento em que você “se acha” por isso, o papo começa a declinar, o foco não mais está onde deveria.

Este texto, por exemplo, teria ficado muito melhor se eu não tivesse “me achado” pelo jogo de palavras do título.

Thursday, July 20, 2006

A voz de dentro

A voz de dentro não fala muito alto;
não é aquela que toca na sua mente
o trecho das canções preferidas
ou as conversas de fim de tarde.
A voz de dentro não gosta de chamar atenção.
fala pra quem escuta, sem repetir ou aumentar o tom
o oposto daquela voz que toca na sua mente.
Sempre gritando, clamando por atenção... e consegue
que a voz de dentro se cale, por falta de atenção
ou a falta de atenção nos impede de ouvir o seu falar ?

Quando conseguimos escutar a voz de dentro
convém prestar atenção;
pela raridade do momento
pela tranquilidade da sensação.
Não há tédio quando se a escuta;
tédio é coisa daquela voz
que faz tudo que pode na luta
para afastar o silêncio de nós
porque a ausência de som a apavora.
Mas é só nele que se encontra o remédio
oferecido por aquela senhora
que não fala muito alto, não gosta de chamar atenção.

Friday, July 14, 2006

Brainstorm

Consciência, cara ? Consciência é uma loucura. Neste momento escrevo sem o crivo da censura, o que vem à mente direto para o papel, o chamado Brainstorm. O desafio é não parar o deslizar da caneta sobre o papel. O sentido é prejudicado, mas o tédio é afastado e eu me satisfaço. Já li não lembro onde que Brainstorm é bom para organizar e liberar o fluxo de idéias. Me ocorre que o funcionamento da mente não é lógico, ou melhor, não se reduz ao lógico. Talvez um grande fator de insatisfação mental seja o esforço de reduzir a mente ao lógico. Nossa irracionalidade se revolta com isso, e puxa os cordões de nossos instintos, fazendo-nos pular de um lado pro outro, como marionetes-baratas-tontas. Será ? Eu acho que sim. Agora por exemplo, que finalizei essa idéia, não me vem a mente um tópico relacionado, como seria de se esperar se a mente fosse só lógica. O que me vem a mente é um verso do GOG, que me arrepia: "Moleque um momento, ainda há tempo se conserta/Moleque, um momento, fique atento ouça o alerta/As notícias da favela não são nada animadoras/Há guerra todo, mais cruel devastadora". E na sequência, a mente informa que tal verso foi para driblar a ausência de pensamento do momento. E que tal ausência vem da vontade de se pensar algo interessante, inteligente, LÓGICO. Então voltamos à idéia anterior. Talvez a mente funcione em círculos, ou em pentágonos, hexágonos. Hexa ? Vexame, decepção, cabeçada de Zidane no italiano mamão. Mamão uma ova, o cara foi que garantiu o tetra. Feio que doeu, como costuma ser o futebol da Itália, mas o tetra de 94 também não foi belo. Talvez seja destino, o tetra de todos ser medíocre. Mas a comemoração independe da beleza do futebol. A aula está acabando, boa hora pra finalizar o brainstorm. Na próxima vou cronometrar os minutos, e vender a idéia como solução milagrosa para estudantes tediosos. Vou ficar rico.

Monday, June 19, 2006

Espantando o Tédio

Escrever para espantar o tédio. Escrever para atingir um estado alterado de consciência. Diferente daqueles que se alcança por atalhos. Trata-se de uma atividade que envolve esforço, e, portanto, benefícios mais duradouros. Uma maneira sadia de dialogar consigo mesmo, trazendo para superfície conteúdos imersos no inconsciente.

Deixar a linguagem em forma melhora a qualidade do pensamento. Seria razão suficiente para dedicar algum tempo à leitura e à escrita, se não houvessem milhares de distrações, hipnotizantes e estéreis. Tornamo-nos reféns de nossas maneiras de fugir do tédio. E a maioria delas não nos acrescenta nada.

A loucura do mundo X o desenvolvimento espiritual. Para um monge tibetano, que nada faz além de meditar, a iluminação é meta árdua e incerta. Para nós, do caos urbano, iluminação só se for a dos postes. Queria ver o Dalai Lama cultivando a serenidade e o amor ao próximo com 15 carros buzinando no seus tímpanos e um possível assaltante se aproximando suspeitamente no sinal fechado. Tudo bem que existe uma consciência que media a resposta ao estímulo. Mas tem estímulo que chega pra consciência e diz: "Ó, tu fica aí, quietinha, sem encher o saco da resposta, que vai sair do jeito que EU quero". Se assim não fosse, não haveria condicionamento.

Lembrei do verso de Drummond: "Escrever, verbo que atrapalha a conjugação de tantos outros verbos". Será que eu me tornarei um ser humano melhor quando terminar esse texto ? E os pratos que não lavei, o assunto que não estudei, a corrida que não dei e o amor que não declarei ? Ora, que preocupação ridícula. Ninguém age para se tornar um ser humano melhor. Ou melhor, ninguém pode medir o impacto do que deixou de fazer na melhoria do seu ser. A velha questão: até onde é possível modificar, pela vontade, o próprio ser ? Responder, muitos já o fizeram, de Platão ao Dalai Lama, passando por Freud e pelo slogan da Nike. Difícil é demonstrar a possibilidade. Eu, que nem respondo nem demonstro, e na falta de final melhor para esse texto, desejo a todos um ótimo jogo do Brasil, com 3 gols de El Gordito, para tostar a língua de seus detratores. Maneira garantida de espantar o tédio.

Tuesday, May 30, 2006

Considerações sem Foco

Paixões deformam
são lentes amadas, odiadas
a editar o mundo.

Ausência de paixões
pode, um dia, vir a ser o Nirvana
quase sempre é só vazio.

Ego = sofrimento
não conseguimos viver sem egos
o mundo entraria em colapso.

Ditadura do prazer
instantes de satisfação
por períodos de inquietude.

Considerações sem foco
exercício estéril
fortalece o ego

que já inflou, já explodiu e torna a inflar
que a sabedoria manda esvaziar
e a vaidade não mede esforços em recompor.

Saturday, May 27, 2006

Manutenção

A conquista é estimulante. Qualquer conquista. Emprego, afeto, status, mercado, poder. Há um objetivo em mente, estratégias para alcançá-lo. Enfim, chega-se aonde quer. E agora? Agora entra em cena a tal da Manutenção, sempre a exigir uma contribuição, tal qual um fiscal da Receita Federal. Bastam algumas faltas com ela para todas as conquistas irem por água abaixo. Ela não tem muita paciência para caloteiros.

Os motivos do calote não importam muito, porque dona Manutenção parte da idéia que sempre há algo que você pode fazer para pagar o imposto que ela cobra. Se não o fez, é porque não era importante o suficiente. Se não é importante o suficiente, não há motivos para manter.
Não dá pra tirar a razão dela. Em última análise, é isso mesmo. Alguns percebem isso logo, e agem de acordo com as regras da Dona. Há, porém, os que têm maior obediência a uma outra senhora, chamada Liberdade. Tão permissiva quanto Manutenção é intransigente, ela está sempre a indicar caminhos diferentes, que muitas vezes passam longe dos pedágios de Manutenção. As pessoas com preferência por Dona Liberdade acabam castigadas por Dona Manutenção, com a perda de suas conquistas.

É uma maneira mais excitante de se viver, diriam alguns. O movimento de perda e recuperação das conquistas parece bem mais aventureiro do que a segurança da conquista que persiste no tempo, protegida por Manutenção. Mais excitante e mais doloroso, por ter que enfrentar a dor da perda das conquistas diversas vezes.

Pesquisas apontam que muito de nossa personalidade depende mais dos genes do que das experiências. Deve haver um cromossomo responsável pela preferência entre Manutenção e Liberdade. É a desculpa perfeita para quem não quer mudar.

Para os que querem mudar, o carimbo genético tem quer se desconsiderado. Afinal, a imagem que fazemos de algo tem muito mais efeito sobre nós do que o algo em si. Se acho Genética uma bobagem, não tenho porque acreditar na tirania de um cromossomo. Se não acredito, não existe para mim. Logo, a mudança é possível.

Da possibilidade à concretização, vai um longo caminho. A ser preenchido com estratégias, para alcançar o objetivo em mente. Chegando aonde se quer, impossível não perguntar: e agora ? Talvez seja o caso de relembrar os caminhos percorridos, e honestamente agradecer a oportunidade da viagem.

Monday, May 22, 2006

Seminário de Rádio e Tv

Os ataques do PCC em São Paulo mostram o que séculos de injustiças sociais podem produzir. Revelam a fragilidade do estado, incapaz de lidar com terrorismo bem articulado. Confirmam o poder desse estado paralelo, que dita as leis dos presídios e favelas do Brasil.
Aconteceu em São Paulo, mas poderia ter ocorrido em várias capitais. Talvez ocorra muito em breve. E o mais assustador é saber que a situação só tende a piorar. Achar que mais policiais e penitenciárias resolverão o problema é como achar que o combate aos sintomas pode curar a doença. Essa hemorragia não pode ser estancada por PMs, Civis, Federais ou Militares. A ferida é bem mais grave, e só pode ser curada com a melhoria das condições sociais.
Não existe cura a curto prazo para tal doença. E são poucos os sinais de avanço para a cura a longo prazo. Talvez seja preciso uma guerra civil, com milhares de mortos por todo o país. Mas é melhor acreditar que eventos como o de São Paulo ajudem a sociedade a acordar. E começar a tratar a doença de fato. A sociedade brasileira precisa de um tratamento de choque. Bom seria se documentários como Meninos do Tráfico chocassem o suficiente para levar à ação. Infelizmente, só olharemos para o monstro que criamos quando ele ameaçar nos engolir.

Monday, May 01, 2006

Sentidos

Desejo:
Uma tensão que pede relaxamento.
Em alguns, exige;
Noutros, ordena.

Alma:
Um pedido de renúncia ao desejo.
Sacarifício sem tortura;
Cultivo do desapego.

Mundo:
Um lugar onde alma não importa.
Sonhos de consumo;
Indústrias de sentido.

Sentido:
Bússola de qualquer um.
Um enorme ponteiro material,
Um minúsculo ponteiro espiritual:

rachaduras de angustia constante;
ilusões de satisfação.

Thursday, April 20, 2006

Falcão: meninos do tráfico

Um desenho traçado com canetas roubadas
por um menino nascido no berço da miséria
onde as trajetórias já estão tragicamente traçadas
e as alternativas são desprezadas, ingênuas idéias

O menino pintara um homem em combustão
castigado por transgredir a lei do silêncio
os dentes ainda moles rangeram ante o suplício
o fogo levava embora o seu irmão

A crueldade das imagens parece ficção
Realidade inverossímil para quem dela não faz parte
Ao choque da sociedade deveria suceder o debate
que conjugasse ações e soluções para a questão

Mas um monstro alimentado por décadas
não se mata em um único dia
por mais certeiras que sejam as setas

Enquanto isso, mais canetas serão roubadas
mais vidas serão desperdiçadas
na tragédia em que todo dia um novo ator estréia.

Tuesday, April 04, 2006

Brincadeira Boa

O que resta dizer ?
O que já foi dito, de forma diferente ?
Um ajuste no passado, para enganar no presente ?
Quantos não disseram antes, e melhor ?
Questões que separam a mão da caneta.

Qual a razão desse uso do tempo ?
Vaidade, elogios dispersos ?
Talvez ser lembrado por meia dúzia de intelectos ?
Desenvolvimento pessoal, estruturar idéias
talvez já escritas em outra língua, outro país, outra época ?

A consciência precisa brincar
Escrever é brincadeira boa
E isso basta.

Sunday, March 19, 2006

Malandragem e Responsabilidade

"Se eu precisar algum dia, de ir pro batente, não sei o que será... pois vivo na malandragem, e vida melhor, não há!" Este sambinha me vem à mente nos momentos que reservo para ficar à toa, na sinuca ou no dominó, acompanhado de uma loira gelada e dos colegas de ócio relaxante. "Estes momentos são essenciais para a manutenção do equilíbrio psicológico do cidadão", já cansei de dizer isso, para os outros e para minha consciência, quando há tantas tarefas por fazer e estou altamente atarefado fazendo nada. Nada de responsáel, melhor dizendo, chamar de "nada" algo a que dedico tanto tempo prazeroso seria uma injustiça. Durante muito tempo, busquei o ponto de equilíbrio entre a malandragem e a responsabilidade. Os mais chatos diriam que se trata de equilibrar água com fogo, ou, pra citar outro sambinha, que "o sol não pode viver perto da lua". Mas o que é a vida, além de um equilíbrio entre forças antagônicas ? Equilíbrio idealmente falando, porque o que mais ocorre é um dilema, seguido de exageros para um lado ou outro. E, de fato, se você quiser ser excepcional em algo, terá que optar por ele em detrimento do seu oposto.

Para quem tem ambições mais modestas, a combinação entre os opostos torna-se mais viável. Ainda difícil, porém, já que é bem fácil perder o referencial de equilíbrio, e escorregar além da conta para um dos lados. O conhecimento popular afirma que "tem hora pra tudo", basta saber administrar o tempo adequadamente. Será ? Mesmo as pessoas bastante organizadas, que encontram tempo para muitas atividades diferentes, provavelmente sentem falta da imprevisibilidade da desorganização, das agradáveis surpresas de caminhar ao sabor do vento, algo que uma agenda rígida demais não pode proporcionar.

Talvez o calor da malandragem transforme a água da responsabilidade em vapor. Talvez o vapor só vire chuva quando a vida assim exige, naqueles momentos em que paramos para repensar o caminho que está sendo trilhado. Ou talvez tenhamos um São Pedro dentro de nós, capaz de combinar o calor e a chuva com sabedoria. Talvez ele esteja dormindo, e não acorde com nosso chamado de leitura de manuais de fórmulas de como agir. Talvez não haja fórmula para acordá-lo, e cada um tenha de resolver sozinho esta equação do 7° grau, chegando a diversas soluções. E talvez a solução seja a permanente revisão da equação, aprimorando-a para os vários momentos da vida.

Sunday, March 05, 2006

Quinta-feira pós carnaval, aula de literatura portuguesa. A professora tinha pedido para procurar cantigas de amor, de escárnio, de amigo, de mal-dizer... estamos estudando o Trovadorismo. Eu, como bom folião, logicamente nem toquei em livros durante o carnaval. Eis que ela começa a chamar um por um, perguntando sobre a pesquisa:
- E você, Bernardo, o que procurou ?
- Bem professora, devo reconhecer que não procurei nada, porque priorizei o carnaval em detrimento dos compromissos acadêmicos.
(risadas abafadas se espalham pela sala)
- Ah é, né ? Pois então você vai fazer uma cantiga de amor, tendo como tema o carnaval, para próxima aula.
Que maravilha! Fazer a cantiga nem foi problema, a bronca foi ir pra ufpe num sábado, pra ter aula das 7 às 13h, já derrubado pela virose pós carnaval. Mas consegui, heroicamente, honrar meu compromisso.
Eis a cantiga:

Nada além de um devaneio

Tantas ladeiras para fugires do meu olhar
agitado como um frevo, a te buscar na multidão
O calor não incomoda quando noto a tua mão
empunhando o estandarte do bloco que está a tocar
"Você diz que ela é bela, ela é bela sim senhor..."
Tão bela que não faz idéia de como é grande o meu amor
E continua, majestosa, com seus divinos passos a me maltratar

Deus, como queria, a ti na dança me igualar
Fazer o povo parar para acompanhar nosso gingado
Faria tudo para me livrar destas pernas de desengonçado
E contigo arrancar aplausos e assobios da multidão a gritar
Talvez assim olharias pra mim com algum desejo...
E quem sabe, algum dos passos terminaria num beijo
E Olinda ficaria pequena, para tanta alegria abrigar

Sei, no entanto, que isso nunca passará de um devaneio
Me contento em te admirar com o fascínio que teus encantos exigem
Trato a ferida em meu peito com algumas bebidas que dão vertigem
Espero você terminar, e à casa retornar em seu tranquilo passeio
Também eu retorno ao lar, cambaleando pelo álcool e pelo vazio
que tua ausência me traz à alma, soprando-lhe um vento cortante e frio
que suportarei até minha morte, ou até tua morte, o que vier primeiro
Mas disso, ó minha amada, jamais saberás; não te trarei nenhum receio

Wednesday, March 01, 2006

Laboratório

Se não conseguimos expressar uma idéia com palavras, será que tal idéia de fato existe dentro de nós ? Às vezes ocorre a sensação de que compreendemos algo, mas na hora de transformar este algo em palavras, não conseguimos. Há quem afirme que palavras são a expressão do pensamento; se uma idéia não pode ser comunicada (transformada em palavras), é porque ela não está completa, madura ou clara o suficiente; ainda não existe como deveria.

O que é um sentimento ? Uma variação biológica que produz sensações ? Será que idéias e sentimentos não passam de partículas microscópicas atuando no cérebro, gerando este ou aquele efeito ? Ou existe o tal mundo das idéias, a alma, e as variações biológicas não passam de indícios do que acontece neste mundo inacessível aos sentidos ? Existindo um, ou outro, ou os dois sendo a mesma coisa, que regras regem este laboratório de idéias e sentimentos ? Quantas vezes uma idéia ou sentimento aparece de repente, do nada, como uma paisagem revelada pelo desaparecimento súbito da cortina que a escondia ? E até onde somos capazes de mexer nessas cortinas ?

"A luz negra de um destino cruel / Ilumina o teatro sem cor / onde estou desempenhando o papel / de palhaço do amor". O que foi preciso para que este verso magistral aparecesse na mente de Nelson Cavaquinho ? Um destino generoso, que jogou a cortina longe com um vendaval de inspiração ? Ou será que a cortina foi aberta pouco a pouco, à custa de muitas cervejas e guardanapos de bar ? É um mistério, ninguém sabe onde termina a inspiração e começa a transpiração. Quando desvendarem os mistérios do tal laboratório, se é que um dia o farão, a humanidade ganhará muito em conforto e bem-estar. E perderá a mesma coisa em fascínio e aventura. Haja tecnologia para driblar tanto tédio.

Thursday, February 16, 2006

Apreço pelo silêncio

A maioria das pessoas não lida bem com o silêncio. É comum, durante conversas, exigirem da pessoa calada: "fala alguma coisa!" ou "fulano fala tanto que meu ouvido dói". Quando o calado se encontra em silêncio por timidez, isso provoca sorrisos de desconforto, seguidos de uma ou outra frase breve. Às vezes o silêncio é medo de demonstrar ignorância; neste caso, são comuns os "ahams", e os acenos de cabeça indicando concordância. Afinal, um tolo calado oculta mais facilmente sua tolice do que um tolo falante. Como se vê, o silêncio é frequentemente associado à idéias negativas: timidez, tédio, ignorancia, falta de assunto.

O valor de um vaso, copo, ou garrafa está justamente nos seus espaços vazios, que dão utilidade a tais objetos. Na música os silêncios são tão importantes quanto as notas; eles são modeladores decisivos da sonoridade. É o uso dos silêncios que vai diferenciar duas frases musicais com as mesmas notas; desrespeitá-los destrói a beleza de uma melodia.

Atualmente os estímulos são tão variados e tão atraentes que as pessoas não conseguem passar vinte minutos paradas, em silêncio, na companhia da própria mente. Esta vai perdendo sua capacidade de gerar significados e com eles preencher os vazios, devido ao bombardeio de estímulos de significação descartável. As pessoas procuram estar o tempo todo ocupadas, distraídas com o que quer que seja, porque ficar a sós com a própria mente é inquietante, entediante, angustiante.

Osho dizia que a mente é como nuvens, sempre a turvar nossa visão, impedindo-nos de perceber as coisas claramente. A iluminação seria o desenvolvimento da "não-mente", o emergir de uma consciência livre das ilusões que a mente não cansa de fabricar. E o caminho para isso seria a meditação.

Esta iluminação parece algo inatingível para a maioria das pessoas. Talvez de fato seja um privilégio para poucos. Mas parece possível observar a mente, seus medos e desejos, o angustiante vazio que ela se esforça para preencher. E, em vez de tratá-los com paliativos, aprender a conviver com eles. Desenvolver o apreço pelo silêncio, em vez de passar a vida fugindo dele, em vão.

Sunday, January 29, 2006

Talento e Disciplina

Ontem, na casa de Tina, Manuel deu uma divertida bronca em Paulo Mineiro. Manuel está conseguindo ganhar grana através da arte. E indigna-se com Mineiro, que é "artista duas ou três vezes na sua frente" (palavras do próprio Manuel), e está parado, sem grana e sem agir para ter uma produção rentável. "Com o talento que você tem, tá vacilando", foi o veredicto de Manuel. E todos que conhecem Mineiro e sua arte estão de acordo.

No documentário "Vinícius", Toquinho relata um encontro do poetinha com João Cabral de Melo Neto. Este o aconselhava a trabalhar com mais seriedade e disciplina na poesia, afirmando que se existisse um poeta com o talento de Vinícius e a disciplina de João Cabral, o Brasil teria um poeta insuperável.

Talento e disciplina muitas vezes não caminham juntos. E a falta de disciplina pode levar o talento à estagnação. Medíocres esforçados normalmente vão mais longe que talentosos preguiçosos, a não ser quando se trata dum Romário da vida, cujo talento não há indisciplina que ofusque. Não ofusca, mas nega oportunidades, por causa dela o baixinho ficou fora da Copa de 2002. Já o disciplinado Belletti, mesmo sem um décimo do futebol de Romário, teve a alegria de ser pentacampeão.

Talento, costuma-se dizer, a gente já nasce com ele. Tudo bem que o ser humano tem uma incrível capacidade para aprender e desenvolver novas habilidades. Mas os talentosos aprendem muito mais rápido e com menos esforço do que os sem talento. Só que essa facilidade traz consigo a armadilha do acomodamento: como o talentoso, com menos empenho, consegue os mesmos resultados da maioria, pode atrofiar o tendão do esforço, que é o principal componente do músculo da disciplina.

Os que driblam a armadilha, estes vão longe. Mas a maioria cai no alçapão, e vai parar na masmorra dos "que poderiam ter sido e não foram". Para sair de lá, só com uma rotina intensiva de exercícios para desatrofiar aquele tendão, pois o músculo precisa estar vigoroso para conseguir derrubar a porta.

Pena que na masmorra encontra-se Dona Preguiça, insinuando-se na cama, com seu mais alto poder de sedução. Difícil levantar para se exercitar, com uma companhia tão paralisante. Como a ocasião pede o clichê, "ninguém disse que seria fácil". Mas disciplina é algo que se pode conquistar. Ao contrário de talento.

PS: Mineiro, mexa o seu traseiro gordo!!!

Saturday, January 21, 2006

A soma dos amores que não tive

A soma dos amores que não tive
Quadros pendurados na parede da memória
Clipes editados contando uma outra estória...
Fantasias do desejo que não posso impedir que se fabrique

As paixões da infância, tão despidas de malícia
As paixões da adolescência, tanta coisa não vivida
Seguem comigo adulto, num constante devaneio
Ladrão daqueles instantes em que o sono ainda não veio

Cada rosto num slide de apresentação do Powerpoint
Com legendas de diálogos jamais pronunciados antes
A imaginação preenche o que a realidade deixou em branco
Uma espécie de compensação para minimizar o desencanto

Essa soma, que subtrai meu bem-estar
Adiciona uma esperança numa paixão ainda por chegar
Que transforme os tais quadros em meros rabiscos engraçados...
Sem importância diante do que por tanto tempo foi aguardado

Monday, January 09, 2006

Partida para continuar

Uma loucura foi contida, convertida em mediocridade
Chateada, ela se foi com o entusiasmo
É bastante procurada pelas saídas da sobriedade
Mas só se encontram paliativos pro marasmo

A vontade enfraqueceu para ajudar a sanidade
Melancolia temperada com sarcasmo
Paranóias controladas, mas persiste uma saudade
De atos mais alegres e ousados

Inevitável imaginar como seria
se tivesse escolhido outro caminho
Lamentável desperdício de energia

A duração do desalento não tardaria
Caso aceitasse as cartas jogadas pelo destino
E parasse de remoer os descartes que hoje não faria