Friday, January 30, 2009

Os tons da capa da velha da capa preta

No caminho para o trabalho, eu e minha mãe ouvimos a rádio CBN. Salvo quando as notícias são chatas, ou uma entrevista é monótona, casos em que recorremos à rádio Universitária. Ontem, pouco depois da mudança de estação, estávamos ouvindo a música do pai herói, do Fábio Júnior. Ficamos em silêncio, prestando atenção... Eu me dividia entre a bregosidade da melodia, do tom, e alguns trechos interessantes da letra. Segundos após o termino da música, recebo pelo celular a notícia de que meu avô, pai da minha mãe, falecera. Poucas vezes tive uma sensação tão forte de sincronicidade, as coincidências significativas de que falava Jung, e pude ver que isso foi bem mais intenso na minha mãe.

Eu e meu avô materno nos víamos muito pouco, separados por desencontros familiares. Há cerca de um ano se deu a partida de meu avô paterno, a quem eu também via muito pouco, afastado pela distância geográfica. Com ambos senti falta de uma despedida, de uma boa lembrança recente. Por outro lado, nossa pouca interação permitiu que eu encarasse a perda de ambos com mais serenidade, com menos do sofrimento que resulta do maior apego, geralmente proporcional à presença das pessoas que partiram em nossas vidas, ou à intensidade dos momentos compartilhados com elas.

Ao perceber que não sofria tanto com as perdas, senti uma culpa nos momentos iniciais: existe um valor em nossa cultura que relaciona o quanto sofremos com o quanto amamos a pessoa que partiu. Era como se eu não amasse meus avôs tanto quanto deveria, como se fosse um neto ingrato por não sofrer tanto com a partida de ambos.

Ao contar que, apesar de gostar muito dela, não derramou uma lágrima com a partida de sua bisavó, minha namorada me ajudou a perceber que não havia razões para culpa. O sofrimento com a partida se relaciona a outros fatores além do apego (cabe aqui mencionar o conceito de amor desapegado, presente na filosofia budista), como a naturalidade da circunstância da morte, e a naturalidade com que se encara a morte em si.

O poetinha Vinícius dizia que a vida é uma só, que ninguém o convenceria que há mais de uma sem mostrar-lhe um documento assinado por Deus, com firma reconhecida. Cada vez mais eu acredito que há algo de nós que transcende a matéria e retorna a esse plano inúmeras vezes. Fico com BNegão: “na real, a gente é como o sol... não nasce nem morre, só sai do campo de visão normal”. Não dá pra saber qual dos dois está correto, e se essa correção é uma questão de fé ou (des)conhecimento. Mas dá pra afirmar, sem a menor sombra de dúvida, que a abordagem do filósofo do rap ajuda a encarar as chegadas da velha da capa preta com muito mais serenidade.