Thursday, June 12, 2008

O Sport e o Nordeste


O Sport Clube do Recife conquistou a Copa do Brasil de 2008, e eu estava lá na Ilha do Retiro, cantando os gritos de guerra que tanto irritam os que não torcem pelo Leão, categoria na qual eu próprio me incluía até o jogo contra o Internacional nas oitavas-de-final, quando o gol de Durval me fez vibrar como há muito não acontecia assistindo bola a rolar. Esse entusiasmo, surpreendente considerando meu desinteresse pelo futebol pernambucano, se explica pelo “complexo de inferioridade” que sinto, como nordestino, em relação aos colegas sulistas.

Existe um estereótipo, difundido mesmo entre sulistas supostamente esclarecidos, do nordestino como alguém bronco, preguiçoso, incompetente. Isso pode ser percebido na caracterização de personagens nordestinos em novelas ou comerciais, em piadas “que teriam bem mais graça se não fossem o retrato da nossa ignorância, transmitindo a discriminação desde a infância”. O Nordeste aparece como um lugar agradável para passar as férias, sem relevância em assuntos sérios como excelência profissional ou decisões de campeonatos nacionais.

Claro que isso incomoda. Ouvir os comentaristas esportivos sulistas afirmarem que “o Palmeiras vai fazer um treino de luxo” na sua partida contra o Sport gera uma revolta que deixa a goleada rubro-negra mais gostosa que queijo coalho com mel de engenho. Pena não ter ouvido Cléber Machado quase chorar com a derrota do Corinthians, mas acompanhar a festa ao vivo teve um sabor muito mais especial.

A diretoria do Sport soube aproveitar bem o clima de “É o Nordeste contra o Sul/Sudeste”. No jogo contra o Vasco, na semi-final, a Rádioilha tocou O Rappa, a música do Créu, dentre outras coisas de fora da terra. No jogo de ontem, só deu música regional até a conquista do título, com direito a “Nordeste Independente” e a arrepiante “Madeira de Rosarinho”, cujo refrão não poderia ser mais apropriado: “Queiram ou não queiram os juízes, o nosso bloco é de fato campeão...” Antes do jogo também teve uma cena linda, com balões azuis e brancos amarrados numa faixa escrito PAZ, que subiram aos céus no momento em que Luiz Gonzaga cantava que a Asa Branca “bateu asas e voou...

O bom desempenho de um time pernambucano frente aos grandes times sulistas poderia conquistar o apoio de outros torcedores do estado, se não fosse por um detalhe que é também o trunfo da nação rubro-negra: a chatice de seus torcedores. No próprio grito de guerra do Sport há um “e o resto é merda!” que pouco contribui para atrair a simpatia dos vizinhos. Na saída do jogo ontem, puxaram um “toma no cu, Náutico!” que eu não entendi: o time é campeão da Copa do Brasil e a turma comemora xingando o rival local que sequer enfrentou o Sport na competição? Tricolores e alvirrubros têm certeza que os rubro-negros torceriam contra eles caso o Náutico ou o Santa Cruz estivesse disputando a final, e se negam a apoiar “A Coisa”. Vai ver que a instiga da estória é justamente amar odiar uns aos outros...

A chatice, no entanto, é conseqüência da paixão violenta que o rubro-negro tem pelo seu clube, e esse é um fator que desequilibra quando o time joga em casa. A Ilha do Retiro já vem sendo chamada de “La Bombonera” do Nordeste, pela fortíssima pressão dos torcedores do Sport. A energia do estádio é um negócio fantástico, capaz de abalar jogadores experientes, como o goleiro Marcos, do Palmeiras e ex-seleção. Trinta e quatro mil pessoas gritando e vaiando ao mesmo tempo exige muito preparo mental dos adversários. Até agora, não faltaram motivos para que se cante, a plenos pulmões: “Eu, eu, eu, caiu na Ilha se fudeu!” :D