Tuesday, November 30, 2004

Nadando

Há um certo prazer em não revelar o meu interior
Trancando dentro de mim minha suposta sabedoria
E esse deleite se espalha e se edifica em bases líquidas
Já que a própria sensação é fluídica
E flui com intensidade, sem ser compartilhada

Raramente a represa se abre
Já que a água, ao sair, muitas vezes volta suja
Mas será que já não estava impura quando contida ?
Maculada pela vaidade que tento não revelar ?

Seja como for, já me afoguei nesse mar
E suas cores caleidoscópicas anularam o meu fazer
Governado pela apatia, tive que fazer o caminho inverso
Tingindo tudo de preto e branco, para voltar a funcionar

Mas as cores me chamam, seduzindo-me quando tento evitar
E talvez agora eu possa mergulhar sem estilhaçar minha objetividade
Coisas que antes desprezava vêm a tona para me integrar
Seja com o mundo, seja comigo mesmo

Monday, November 29, 2004


Raul, em sua época de jejuns... Posted by Hello

Wednesday, November 24, 2004

O guia espiritual Raul Seixas

Ouvi Raul pela primeira vez muito novo, por volta dos 9 anos. Meu pai me chamou pra ouvir "Al Capone", no seu apartamento em São Paulo. De volta a Recife, o marido da minha prima me deu uma fita cassete de Raul. Decorei as músicas rapidinho, e como vivia a canta-las, minha madrinha me deu o "Raul Seixas: Uma antologia". Todas as letras, além do resumo da vida e um bocado de luz sobre as várias faces do baiano. Foi meu livro de cabeceira por um tempo.
Costumo dizer que uma das minhas grandes frustrações é saber que nunca irei a um show de Raul. Pagaria caro para vê-lo, mesmo que completamente embriagado, errando todas as letras. E eu não sou o único. Raul continua importante, seja para os que o viram no auge, seja para os que nem eram nascidos quando ele morreu. Uma das razões disso é sua "Metamorfose Ambulante". Tem Raul para românticos, realistas, místicos, rebeldes... Para quem só quer ouvir humor inteligente numa letra fácil ou para quem passa horas descobrindo diversas significações em suas letras.
É, Raul faz pensar. Talvez essa seja a principal razão de sua magia resistir ao tempo. Não é tanto a identificação ou a concordância com as letras, como ocorre com Legião Urbana e Los Hermanos. É o refletir sobre o que ele diz, interpretando da tua maneira, buscando a tua verdade. E Raul sabia como poucos vestir idéias com roupas diferentes. Uma mensagem anarquista numa música infantil exibida na Globo, uma música sobre Deus (ou melhor, Krishna) que muitos pensam ser sobre amor...
"Não sou cantor nem compositor, uso a música para dizer o que penso". Segundo Sylvio Passos e Toninho Buda, autores do livro que citei, a verdadeira vocação de Raul era ser escritor. Pois eu acho que a grande vocação de Raul era ser guia espiritual. Pode parecer estranho falar isso de alguém que morreu prematuramente devido ao abuso de álcool. Mas eu encontrei e encontro não apenas conforto, mas Luz e Caminhos na obra de Raul. "Tente Outra Vez" e "Planos de Papel" me ajudaram muito mais do que análises e livros de auto-ajuda. Por isso eu digo que sua vocação não foi frustrada. Pelo menos não pra mim.

Monday, November 15, 2004

Planta rara

Na estrada, cabelo ao vento, pedindo carona
Trazendo aos mais velhos lembranças de um tempo de sonhos
Na bolsa alguns motivos para gastar dinheiro com suborno
Que a ajudam a percorrer grandes distâncias, mesmo parada

Também carrega uma barraca para duas pessoas
Prefere acampar na praia, mas sempre viaja pro interior
Seus olhos claros combinam com a roupa que combina com a paisagem
Deixando os homens loucos para combinar algo com ela

Ciente do seu encanto, não se deixa envaidecer
E sua amistosa simplicidade a deixa ainda mais irresistível
No violão toca suas músicas preferidas
E mesmo as mulheres que a invejam adoram ouvi-la cantar

Mesmo conseguindo o que deseja facilmente
Pois ao seu canto de Ossanha nem Vinícius resistiria
Ela permanece loucamente sóbria, não desejando além da conta
Continua na sua busca, que não entende, mas sente

Adubando a vida de todos que encontra no seu caminho
Ela é planta rara, das que o sol tem especial carinho ao iluminar
Atualmente está contente por ter recuperado a liberdade
Perdida por um descuido, ao gastar a grana que precisaria para subornar

Wednesday, November 10, 2004

Arco-íris da solidão

É laranja e não ofusca
É azul e não fascina
É verde e não enaltece
É cinza e não deprime
É vermelho e não agita
É branco e não acalma
É amarelo e não anima
É marrom e não sustenta
Mas é negro e draga tudo
Reinando no arco-íris da solidão.

Monday, November 08, 2004

Incensos, modas e o que realmente importa

Numa conversa no aniversário de Camila e Tina, o Rafa falou do salto qualitativo que os Los Hermanos deram do primeiro pro segundo disco, de como o terceiro também é lindo... Eu concordei na hora, penso a mesma coisa. Pablo, do alto de sua vasta cultura musical, falou que os barbudos ainda não o convenceram, que a estética e os temas abordados nas letras não o agradam... Iniciou-se uma pequena discussão que foi encerrada na resposta exaladora de sarcasmo de Karla ao meu inocente argumento, que os Los Hermanos fazem muito bem o que se propoem a fazer. "O É o Tcham também", retrucou a jovenzinha.

Jogando xadrez aprendi a reconhecer a derrota, e a não prosseguir com o jogo por puro orgulho de não desistir. Voltei-me para a cerveja, e antigas reflexões sobre moda e bandas incensadas vieram a tona. Lembrei-me de Paulo Moita, em 99, falando que hoje em dia os burguesinhos gostam de Nirvana e Planet Hemp, que ele gostava nas antigas e agora não ouvia mais.

É um fenômeno curioso, presente em qualquer estilo. Um artista, de repente, estoura. Sua música toca a exaustão nas rádios, seu clipe vai para o disk MTV. Muita gente passa a consumir o trabalho da nova celebridade. A imprensa especializada se derrama em elogios. Os antigos fãs do cara se gabam de já o conhecerem há anos, quando ele não era ninguém.

Já o povo mais ligado em música, que já passou incontáveis horas ouvindo grandes artistas e já viu esse fenômeno se repetir várias vezes, costuma reagir de forma inversa. Falam que o que está fazendo sucesso é um lixo, que o êxito se deve ao bom marketing que fizeram pra ele, e se o cara for antigo, que ele era bom nos anos 70. Ocorre também de fãs o renegarem porque ele estourou. "O cara se vendeu", dizem.

Boa parte da população é feliz seguindo modas. São rotulados de alienados, sem personalidade, por aqueles que não seguem. O curioso é que muitas vezes os que não seguem modas são influenciados por elas na mesma proporção, ao enfiarem na cabeça que o que está na moda é ruim, antes mesmo de parar pra escutar a obra. Quando o fazem procuram defeitos para justificar a opinião pré-concebida.

Nesse jogo, a obra se perde. Os que gostam o fazem muito mais pela influência da moda, e o mesmo ocorre com os que não gostam. Com o julgamento turvado por essa elegante senhora, fica difícil entrar na viagem do artista. Que no fim das contas, é o que realmente importa. A elegante senhora, aparentemente imortal, já tem poder demais. Acho que não devemos dar a ela ainda mais, seja aceitando de bom grado a moeda que ela nos joga, seja recusando "inteligentemente". Basta olhar a moeda com clareza, e decidir se ela merece ou não entrar para sua coleção.

Saturday, November 06, 2004

Meu quarto, meu reino, minha prisão

No lugar onde passo a maior parte do tempo
Onde o cheiro do cinzeiro incomoda os de pulmão limpo
Eu decolo e flutuo... como uma águia
Pelos ares contidos em objetos pequenos

Em meio ao caos dos discos, livros e revistas
Amigos reais e virtuais me visitam, me alegram
A dois passos da minha cama acesso o mundo
Através do meu brinquedinho mais moderno

Tão perfeito é o meu reino que eu não preciso sair dele
Tem comida num estado vizinho, banheiro num estado próximo
Nele ouço o que quero, leio o que quero, converso com quem quero
Escrevo o que quero, para quem quiser ler

Dessa forma, aprisionado pela perfeição do reino
A vida passa lá fora, com mil cores que deixo de ver
Embriagado que estou pelos estímulos que manuseio
Saio da rota de milhares de coisas que talvez eu devesse viver