Wednesday, March 28, 2007

Medo do Futuro

É duro reconhecer a mediocridade
Formando-se na preguiça do teu gênio
Que evita o esforço na atividade
Adiando-o até o último momento

É duro ver cair a confiança
Numa mente, outrora vigorosa,
Hoje, como ex-atleta que descansa
Afundado na poltrona prazerosa

É duro perceber-se tão contente
Com os pífios resultados do versejo
Quando basta ler alguns mais competentes
Para ver que não há motivos pra festejo

É duro procurar na poesia
preencher a lacuna do labor
Tentar compensar com fantasias
O mal que a moleza lhe deixou

É duro discernir o que é preciso
Para livrar-me da própria corrente
Que me prende a caminhos antigos
E amarra o que viria pela frente.

Saturday, March 24, 2007

Clara Nunes, a maior cantora do Brasil


Do Contra é um dos personagens mais divertidos de Maurício de Souza. Tem muita graça em querer ser sempre diferente. É comum ser do contra na adolescência, antes de amadurecer e perder a graça. Mas alguns seguem cultivando esse prazer infantil, fazendo objeções pelo prazer de ver as pessoas lidando com elas.

Uma unanimidade inteligente é que Elis Regina é a maior cantora do Brasil. Afinação, interpretação, feeling e técnica olímpicos, qualidade do repertório, são muitas as razões do consenso.

Eu discordo. Não da qualidade de Elis, mas dela sozinha no topo. Tem uma mineira chamada Clara Nunes, que não perde um centímetro para a divindade gaúcha nos critérios acima citados, com a vantagem decisiva de que seu timbre e seu repertório soam melhor aos ouvidos deste que vos escreve.

Para os que desconhecem a maior cantora do Brasil, seguem algumas preciosidades selecionadas por mim, na convicção de que algumas discordâncias não têm preço.

Preciosidades Selecionadas

Thursday, March 15, 2007

Tempo e cigarros

Astolfo e Olarico caminhavam sem destino. Era um bom programa de fim de tarde; bairro tranquilo, poucos carros, alguma brisa. Astolfo parara de fumar há alguns meses; Olarico continuava sem perder a oportunidade de soltar fumaça com gracinhas.

- Desde que tu parou de fumar que tás assim, nessa apatia de anta paralítica.

- Claro, lascar meu organismo pra nada me dava uma energia indescritível.

Olarico tragou forte, e fez aquela cara de sabedor dos grandes segredos, que todo fumante faz:

- Essa é a questão, você não tava nem aí se dentinho ia amarelar, ou se pulmão ia ficar pretinho, nem pensava no câncer ou no efisema. Você era um fumante despreocupado e divertido, agora é um ex-fumante preocupado e apático. Que progresso, heim?

Era por coisas como essa que Astolfo tinha grande consideração por Olarico, o rei dos contrapontos divertidos.

- Minha apatia não tem nada a ver com cigarro, meu caro. Tem a ver com onde estou, e onde deveria estar, e não saber onde quero estar.

Olarico deu outra profunda tragada, prenúncio de outra "grande verdade", mas calou-se. No fundo se sentia como o amigo, embora não curtisse muito conversar sobre isso. Preferia pensar a respeito sozinho, com tragadas profundas, mas sem grandes verdades.

Astolfo continuou: - Sabe quando você olha para quem você era há oito anos, e sente vontade de voltar a ser aquele cara? Isso é normal acontecer - quando se tem cinquenta, pensando nos vinte e poucos.

- Eu diria que há oito anos você não tava nem aí se era normal ou não. Aliás, a maior parte das pessoas diria que não.

- É, eu sei, mas não é esse o ponto. O lance é o entusiasmo, a paixão pela vida, que era imensa há oito anos, e hoje mal levanta uma caneta. Não deveria ser assim. Era para eu estar no auge agora, nos meus vinte e poucos.

- Talvez você tenha vivido seus vinte e poucos há oito anos, e agora se encontre em plena crise da meia idade.

- E o que me aguarda depois disso?

Olarico acendeu outro cigarro: - Sei lá. A cova?

- Pra essa você vai na frente, com sua chaminé.

- É melhor queimar do que apagar aos poucos.

- Última frase do bilhete suicida de Kurt Cobain.

Olarico deu outra tragada forte: - É, mas a frase é de uma música de Neil Young, que continua vivo e cantante.

- Eu sei disso... Há oito anos que eu sei disso.

- E há oito anos que eu peguei seu Nevermind emprestado, sem sua permissão, e nunca devolvi.

- Disso eu não sabia.

- Pois é. Tem coisas que é melhor não saber.

Sunday, March 04, 2007

Sem tomar Aspirina

Conforta imaginar um si mesmo aperfeiçoado, calejado dos erros cometidos, acostumado com dificuldades já experimentadas. Conforta imaginar um know-how crescente, uma experiência acumulada que não só melhora suas ações, como também protege do sofrimento gerado pelo si mesmo. Conforta viver sob as leis da evolução, tornando-se uma criatura mais apta a sobreviver, com a passagem do tempo.

O que desconforta é saber que o carro do aprimoramento não anda em linha reta rumo ao topo. Saber que às vezes ele desce a estrada, em vez de subir. Saber que noutras, simplesmente enguiça, o tempo indo e o carro ficando. Mecânicos são chamados, empurrões tentam, mas o carro não dá partida, definindo um período do qual a lembrança é uma única paisagem congelada.

Lembranças que ajudam o carro a retomar o movimento. Lembranças que fazem com que seja gasto mais tempo com o retrovisor do que com a estrada à frente. Lembranças que gostaríamos de perder, ou de jogar para o futuro. Lembranças freio-de-mão, lembranças quinta marcha.

Após umas cervejas, quase no fim da tarde, contemplando o mar, me invadiu uma plenitude, como se toda a trajetória, com suas subidas, descidas e paradas, fizesse algum sentido. Poucas horas depois, em plena dor de cabeça, a conclusão que eu chegava é que não fazia sentido algum. Meio sentido, resolvi escrever esse texto. E então a dor de cabeça passou.