Sunday, February 25, 2007

Elogio da Preguiça

Para quê preencher a folha em branco
Se há tanto canto para ouvir?
Para quê forçar a busca de palavras
Se não há uma meta certa a atingir?

Não há caos para organizar
Recalques para extravasar
Castelos para se demolir

Tudo ordem, tudo em paz
Ilusão breve que satisfaz
Quem não gosta de se iludir?

Quando deito na minha rede
Nenhuma fome, nenhuma sede
Um sorriso... o paraíso é aqui

Deixo a mente passear
Vários fatos contemplar
Nada que me abale em si

Essa vida proibida
Que o sustento inviabiliza
Se tu não é o Dorival Caymmi

Traz um bem estar danado
Leva aos noventa em bom estado
Talvez cem se resistir

Se o planeta está morrendo
Quem só dorme o polui bem menos
Deveria ser pago pra dormir

O trabalho é inimigo da natureza
Disso o índio já tinha certeza
Não é sábio quem divergir

Pelo seu bem e bem do mundo
Faça um avanço profundo
Deixe a preguiça lhe invadir!

Wednesday, February 21, 2007

Sidney Miller

Seu nome é Sidney Miller. Segundo a Wikipédia, madrinha de preguiçosos em geral, o compositor estreante na década de 60 era comparado com um tal de Chico Buarque, também estreante, pela timidez e pelo cuidado na construção das letras. A primeira música que ouvi dele foi “A Estrada e o Violeiro” (Ouça), que é arrepiante de tão linda, dueto do cara com Nara Leão. Depois de meu pai elogiar entusiasmado, resolvi ir atrás de mais coisas dele. Aí a internet, grande mãe dos curiosos, infinito baú de tesouros esquecidos, me trouxe diversas músicas do rapaz, que não teve tempo de atingir o status de seu companheiro de timidez: morreu aos 35 anos.

Seguem mais duas músicas do gênio: “Pois é, Pra que” (Ouça) e “Nós os Foliões”, (Ouça) essa com um trechinho em fita cantado pelo próprio, depois com o timbre pacificador de Paulinho da Viola. Ouçam, e me agradeçam depois.

Wednesday, February 07, 2007

Carnaval fora de órbita

A pancadaria na orla de Boa Viagem, no show de Ivete Sangalo, teve divulgação nacional. Após 3 anos sem trio elétrico na praia mais famosa de Recife, o tumulto deu fortes razões para as prévias carnavalescas continuarem longe do mar preferido dos tubarões. O saldo foi de 150 ocorrências policiais na delegacia de Boa Viagem (o triplo do normal), um homem baleado e cerca de 20 feridos, além da depredação de bancos e banheiros públicos.

Tão ferida quanto os 20 ficou a imagem de Recife – a barbárie de Boa Viagem alertando sobre o que pode acontecer no carnaval da cidade. A prefeitura deve estar se lamentando por não ter deslocado mais policiais para cobrir o evento, de modo a evitar o filme queimado que pode afastar turistas.

Tanto os organizadores do bloco Balança Rolha, responsável pela vinda de Ivete, quanto a Secretaria de Defesa Social admitiram que subestimaram o público da festa – eram esperadas 200.000 pessoas, apareceram cerca de 500.000. Realmente, era difícil prever que uma artista obscura como Ivete Sangalo iria atrair tanta gente. Mas o organizador do bloco, o deputado André Campos, disse que mesmo que o público fosse metade do esperado, ainda assim o policiamento seria insuficiente.

A violência em Recife chegou a um ponto em que qualquer multidão desperta receios. Há quem responsabilize a ausência/ineficiência da polícia como a grande culpada. A impunidade para os criminosos faz com que o cidadão comum veja os direitos humanos com ironia – o criminoso desrespeita os direitos humanos e é protegido por eles. A impunidade joga álcool na fogueira da vingança, alimentando o discurso de que “bandido bom é bandido morto”.

Não é preciso muito esforço para ver a importância que a (falta de) educação tem nesse quadro. E essa lacuna é observada mesmo entre os que freqüentaram os melhores colégios, as melhores universidades. As pessoas estão cada vez mais míopes para as necessidades do outro – normas básicas de convivência deixaram de ser praticadas. E não há indício de melhoria geral, não enquanto vigorar o “consiga o que queres a qualquer preço, passando por cima de quem estiver no caminho”. Não enquanto a Ética continuar sendo um conjunto de princípios bonitos que não se aplicam à realidade.

Enquanto isso, brinquemos o carnaval – torcendo para que não chovam garrafas.