Tuesday, July 29, 2008

O Surgimento de uma Lenda

É uma linha tênue a que separa a tragédia da comédia. A notícia do último sábado tinha toda a cara de fatalidade comovente: um bebê de 9 meses é atacado por uma cobra coral, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Acontece que o nosso pequeno notável destruiu a tal linha a dentadas, literalmente: após ser picado, o cidadãozinho reagiu e matou a cobra com mordidas na cabeça! A mãe entra no quarto e se depara com o suja-fraldas rindo, com a cobra enrolada no braço. Ele teve uma intoxicação, mas foi levado ao hospital e já passa bem.

É o tipo da história que, se fosse ficção, deixaria o autor em maus lençóis, de tão inverossímel. Será o engatinhante uma reencarnação de Hércules, o semi-deus grego que também se livrou de uma cobra ainda bebê? Que outras façanhas o destino reserva para o nosso herói? Esse pirraia tem que ser acompanhado, ou melhor, ele devia ser treinado por Pai Mei, de Kill Bill, para proteger o mundo da opressão dos opressores. Se ainda existissem oráculos, saberíamos que somos testemunhas do surgimento de uma lenda. Já dá pra ver o danadinho sendo disputado à bala pelos melhores exércitos, sem permanecer fiel a nenhum, como um Aquiles do Século XXI...

O que não pode é desperdiçar esse potencial imenso numa sala de aula... nosso guerreiro diminuto tem que ser mandado o quanto antes para a Amazônia, onde seu talento será de grande serventia para os habitantes da região... com 4 anos, ele já estaria apto a ajudar o Governo no combate aos desmatadores... aos 6 já poderia libertar os reféns das Farcs... Com um treinamento adequado, dá até pra acreditar no Brasil resistindo a uma invasão dos EUA, o Capetinha valendo por exércitos, como um Rambo Tupiniquim...

Avante, Capetinha! A força já está com você! Que os Deuses guiem seu caminho, e não deixem o inimigo te comprar!

Monday, July 21, 2008

Filmes sem orçamento

Deitado na rede, Thiago vê a fumaça do incenso subir lentamente, diminuindo o ritmo de seus pensamentos. Por vários dias uma inquietação vem crescendo em sua mente, ocupando um espaço maior do que ele gostaria que ocupasse. Praticante involuntário de longos devaneios, Thiago observa os filmes que irrompem na sua tela psíquica, trazendo cores e sabores variados... Há um certo amargor de desejo não satisfeito, que o jovem trata de minimizar editando versões alternativas dos acontecimentos reais. Na trilha sonora, Cartola sussurra: “acontece que meu coração ficou frio...”, mas as imagens mostram que o do rapaz está muito mais próximo do Equador do que dos Polos. Só segue em silêncio porque as oportunidades perdidas deixaram a sensação de que, agora, qualquer barulho é inútil.

A inquietação tem cabelos longos, olhos brilhantes, e nome musical. Thiago está apaixonado, como ela sugeriu ao vê-lo perdido em seus pensamentos, e a ele faltara, mais uma vez, a ousadia para confirmar, confessar de uma vez o que vinha tentando dizer com tímidas massagens e carinhos na nuca, os quais ela ora recebia, ora repelia, como um sinal verde que amarela quando se menos espera... Nos clipes em exibição no seu cinema interno, há o excesso de romance que tanto atrapalha... Imagens que, de tão doces, impediam uma ação mais incisiva, uma finalização, como bem nomeou um colega. Thiago esquecia que ela também é feita de carne, uma carne que dilata a pupila da macharada por onde passa, e que ele não tem a menor idéia de quando poderá tocar novamente.

A menina partiu para ver outras paisagens, como naquela música do Caetano gravada pela Calcanhoto. Há muito mundo no mundo para uma pessoa passar a vida no mesmo canto. Aqui a vida dela era composta de cenas que se repetiam sem movimentar a trama para frente. Lá não se sabe o que a aguarda, e não se pode competir como um universo inteiro de novas possibilidades. Os filmes de Thiago também mostram várias possibilidades, mas há, agora, uma grande distância separando-as da realidade. Às vezes ele suspeita que teme concretizar suas fantasias por achar que o espaço do real é insuficiente para elas... Em seu cinema, por outro lado, os filmes não têm limites de orçamento.

Ele não sabe por quanto tempo os filmes ficarão em cartaz. O incenso converteu-se em cinzas, mas seu perfume continua sugerindo enredos, improváveis e deliciosos... Com as pálpebras já pesadas pelo prolongamento das sessões, Thiago prepara-se para deixar Morfeu assumir a direção dos devaneios. Pouco antes das luzes se apagarem, o jovem escuta o que precisa ouvir para uma noite de sono tranqüilo.


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Thursday, July 10, 2008

Como parar de beber sem arruinar sua vida social

Parar de beber exige muita personalidade, principalmente se você é jovem e não está disposto a largar a boemia junto com o álcool. Para a maioria, não existe diversão sem manguaça, o que te leva a ser visto como um penitente, alguém que trabalha contra o próprio bem-estar, como os religiosos extremistas que se chicoteiam para se elevar espiritualmente, abrindo mão dos prazeres da carne. Muitas vezes, ao abandonar a birita, o cidadão encontra dificuldades em manter seu círculo de relações, ou manter relações no círculo. Alguns cuidados, portanto, são necessários para que o abandono da marvada não te deixe numa “lei seca” capaz de tirar sua concentração não apenas no trânsito, mas em todo o resto.

Nessa luta pela manutenção do seu equilíbrio psicológico, substituição é a regra de ouro. Na natureza nada se perde, tudo se transforma, e isso é ainda mais verdadeiro no caso de vícios e muletas sociais. Se você for numa reunião dos Alcoólicos Anônimos, vai perceber que café e cigarros ali são consumidos em quantidades industriais. Cigarro durante muito tempo foi um grande conector de pessoas, mas os cuidados com a saúde e sua proibição em ambientes fechados vêm fazendo com que ele despenque no ranking de alternativas sociais ao levantamento de copos. Café continua eficiente, mas sua penetração é limitada, dominada pela turma dos óculos quadrados, uma área de difícil inserção se Truffaut não mora no seu coração, como dizem The Playboys.

Duas alternativas vêm galgando posições com uma rapidez impressionante: maconha e açaí na tigela. A primeira vem deixando de ser coisa de maloqueiro, artista ou Ministro da Cultura para se espalhar pelas bocas das mais variadas tribos e camadas sociais. É uma muleta cujos donos têm prazer em compartilhar, especialmente com belos exemplares do sexo oposto. Tem o inconveniente de ser ilegal, o que pode te causar problemas para obtê-la, se você ainda não entrou na universidade.

Açaí na tigela cobre a área que a maconha não alcança: a geração saúde que freqüenta academias e se preocupa em ter uma mente sã num corpo são, à base de halteres e livros como O Segredo. As porções são generosas, próprias para se comer a dois. O lado negativo é que, para que os dois se comam, é necessário terem gasto tempos semelhantes no cultivo do corpo. Afinal, todos que investem numa atividade tão entediante esperam uma recompensa à altura, que se traduz num parceiro capaz de provocar torcicolos ao caminhar pela praia.

Jogos também são uma grande pedida. As pessoas precisam de pretextos para se encontrar para jogar conversa fora: se convida para uma cerva, para um açaí na tigela, para bater umas pedrinhas (dominó, viu noiado?), mas ninguém propõe um banco de praça debaixo de uma árvore num dia de sol para trocar idéias emolduradas pelo canto dos passarinhos. Jogos são um excelente pretexto, a menos que você seja uma criatura altamente competitiva como eu: nesse caso, destroçar os patos ao lado é muito mais importante que conversar, o que pode atrapalhar a fluência do diálogo. Outro problema é o semear da discórdia ocasionalmente causado pela jogatina: muitos namoros ou amizades foram seriamente abalados por partidas de War. Convém tomar cuidado com as gréias dirigidas a quem está perdendo: há registros de assassinatos cometidos por conta de uma ficha de Playtime.

Como se vê, quem abandona os descaminhos etílicos pode se encontrar em várias outras direções. Todas as alternativas aqui apresentadas são compatíveis com a Lei Seca, que vem dando azia aos pinguços de plantão. Libertar-se da tirania etílica é resgatar a paz e energia da infância, quando você se identificava com as historinhas do Do Contra. Ao descobrir sua essência interior, e descambar para os vícios revelados por esse insight, sua identidade se firma tanto que você passa a acreditar que é alguém único e especial. E é de ilusões como essa que as pessoas precisam para viver bem.