Wednesday, May 14, 2008

Idéia sem registro

Tinha uma idéia dentro daquela xícara de café
Uma idéia que piscava, dourada no fundo negro
Piscava tanto que não se revelava
Era preciso firmá-la, mas de que jeito?

Bebi o café e a idéia sumiu
Para reaparecer depois, por alguns instantes,
e sumir novamente.
Continuava a piscar
só que
mais lento
quase definindo
os contornos.

Na segunda xícara,
o piscar
alongou-se.
A idéia se espreguiçava na rede dos meus neurônios
irradiando dourado pelas sinapses desbotadas
e no momento em que eu ia tirar a foto
a idéia caiu
da rede.
Os rastros de dourado
se dissolveram
lentamente
na escuridão

Fiquei de câmera na mão, esperando o retorno da idéia
mas ela não voltou. Nem com mais xícaras.
Quando larguei a câmera, cansado de esperar
Senti um peteleco na orelha
E vi dela escorrerem
gotas de dourado.

Peguei o violão e dos meus dedos saíram melodias luminosas
mas quando quis gravá-las
elas voltaram
ao cinza habitual.

Desisti de registrar a idéia.
Apenas sigo seus rastros
quando ela inventa
de (des)aparecer
numa xícara de café.

Tuesday, May 06, 2008

Recife, Marcha da Maconha e a vela que não se apaga

Recife é uma cidade cheia de curiosidades canábicas. Capital do estado do polígono da maconha, a cidade disputa com Porto Alegre o primeiro lugar em apreciadores do tapinha que não dói, mas deixa a boca seca de tanta polêmica. Honrando sua herança colonial holandesa¹, a capital pernambucana sediou no último domingo (04/05) a marcha da maconha de maior apelo das massas (mais de 1000 pessoas, de acordo com o Globo Online) e maior tranqüilidade do país.

Recife, a rocha marítima, em inglês é reef, palavra também usada para os enroladinhos de camarão de Cabrobó, vendidos como joints para os turistas anglófilos nos coffee shops de Amsterdã, e conhecidos como coisinha, mulher de adão, coloseimas, a massa, presença (dentre outros) no estado de Lampião, que também quebra um galho na ausência de isqueiro. A quantidade de usuários na cidade causaria um infarto no Capitão Nascimento – faltariam viaturas e celas para enjaular todos os “financiadores dessa merda”.

Leva tudinho, Caveira!

De acordo com o anti-herói mais carismático do cinema nacional, ídolo da classe média apavorada², quem usa drogas acende os pavios de bomba da violência, ao dar dinheiro para bandidos. É um fato, mas qual a melhor maneira de lidar com ele? Matar ou prender traficantes e jogar os usuários na cadeia? Não existe time com mais peças de reposição do que o tráfico, e os usuários já mostraram que nem a possibilidade de ter a vida estragada por “férias numa colônia penal” retira deles o hábito.

A guerra contra as drogas é como soprar aquelas velinhas de aniversário que nunca se apagam. E a cada nova flama é derramado o sangue de culpados, suspeitos e inocentes. Enquanto isso, rios de dinheiro caem nas contas dos mega-traficantes de que fala Bnegão, pessoas que não têm seus lares invadidos por policiais do Bope.

A oposição à proibição das drogas não é exclusividade dos usuários. Políticos como Jeferson Péres e advogados como Evandro Lins e Silva concordam que a política atual é um desastre. Sua meta, a erradicação do consumo, é impossível de ser alcançada – sempre houve e sempre haverá pessoas propensas a usar drogas, que não abrem mão desse direito por uma lei que consideram ilegítima.

A legalização aparece como uma alternativa, mas encontra muita resistência. Alguns dizem que “viraria zona”, como se o atual nível de violência fosse um modelo de ordem desejável. Outros apontam para a possibilidade dos criminosos tirarem o prejuízo da não-venda das drogas em outras atividades, como seqüestros e assaltos. Fica parecendo que a proibição é uma maneira de manter a violência em “níveis toleráveis”, já que a maior parte das vítimas não ganha capas de revista, nem passeatas pela paz.

Se depender dessa galera...

A marcha da maconha veio com o intuito de promover o debate sobre a questão. Há muita irreflexão sobre o assunto, que vai do “maconheiro tem que morrer” ao “vamos babilonizar o mundo”. É preciso dissipar toda essa fumaça que cerca o tema. É preciso sentar o dedo nessa porra de preconceitos.

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1: Expressão emprestada do músico e filosófo Domingos Sávio, infatigável defensor do verde.

2: Expressão emprestada do cartunista Arnaldo Branco, criador do Capitão Presença, que aparece na animação da Marcha da Maconha.

Essa reportagem mostra o uso da canabis na medicina popular. Os velhinhos comovem a quem assiste.