Tuesday, August 22, 2006

Liberdade

"A liberdade é algo tão importante que deve ser racionada". A frase de Lênin aponta para o autoritarismo. Seus extremos, na forma de ditaduras truculentas, tiveram como resposta a luta pela liberdade. Tempos românticos, artistas agigantavam-se para lutar contra o monstro da opressão. Foi grande a festa, até Deus veio olhar "a evolução da liberdade até o dia clarear", quando a ditadura caiu. A liberdade, agora, era um direito inegociável, lutar por ela tornou-se desnecessário. O combate já terminara, com resultado desejado.

O que não se desejava eram os efeitos colaterais da ausência de lutas pela liberdade. Se não se batalha para conquistar, a conquista não tem valor. Muitos dos nascidos após a queda do monstro foram criados com muita liberdade e pouca racionalização. Não fazer isso era afinar-se com o autoritarismo que tanto se quis derrubar.

Em nome da liberdade, a permissividade tomou conta. A geração que já nasceu com seu monstro derrubado carrega um vazio, e tenta preenchê-lo "erguendo estranhas catedrais". Não reconhecem batalhas além das do prazer imediato; as outras são fardos a serem suportados, se muito.

É preciso meditar sobre a frase de Lênin. Talvez ela não aponte apenas para o autoritarismo extremo que desejamos manter no passado. Talvez ela aponte para uma disciplina interna, onde o indivíduo reconhece seus monstros e assume a luta contra eles. Porque a vida sem batalha se transforma em espaços de tédio que os pincéis do entretenimento tentam preencher, mas não conseguem.

Sunday, August 13, 2006

Dança Furtiva

O que não foi dito.
Imaginado, ponderado ficou
na suspensão das hipóteses, e seus prováveis efeitos...
tão bons de se imaginar, o ego a inflar sem motivos reais...
derrapando nos sinais, a indicar o que não admitirias.

Nem eu admito, tão estranho que seria
o que imagino com ardor de desejo reprimido.
desprezando admissões, nossos olhos se provocam
dizem claro o que a boca insiste em disfarçar
e me levam a preparar frases belas que não direi.

Nada dito no sentido que importa
importância que é melhor fingir não haver
para além do fingimento, o sentido dança furtivo
imaginando o prazer de ser descoberto
e constatando que descoberto não pode ser.

Tuesday, August 08, 2006

Ansiedade de Desempenho

Algumas pessoas não se sentem bem se não estiverem no controle. Outras precisam brilhar todo tempo. “Holofotes, por favor, não me deixem ficar triste”. Existem os que desabam se não fazem tudo da melhor maneira possível. E há os que não se importam se algo não está da melhor maneira, mas se condenam com torturas paralisantes se algo está abaixo do regular.

A preocupação com o desempenho tanto pode melhorá-lo quanto piorá-lo. Cada atividade exige determinado equilíbrio entre estresse e relaxamento, para correr bem.
Terminado o ato, com resultado abaixo do esperado, começa a projeção do que estava errado, para uma melhora futura. Processo saudável, evolutivo, mas angustiante para aquelas pessoas que sofrem com a ansiedade de desempenho. Cada erro é uma culpa, um espaço onde se falhou ao ocupar. Cada culpa se dilata durante a projeção, com a cena do que deveria ter sido feito. “Isso é uma bobagem, o que passou, passou; deve-se deixar ir embora”, nos recomenda o bom-senso. Mas a mente de muitos parece programada para não atender às recomendações.

Pessoas com ansiedade de desempenho são receosas em sair de seu território habitual. Novidade e erro costumam andar juntos. Por isso preferem se dedicar a poucas atividades, as que já dominam. E sofrem com a vontade de fazer o que não sabem, reprimida pelo medo da frustração decorrente do desempenho ruim.

Lembro que, quando criança, sempre ficava de fora quando a turma jogava futebol. Lembro que a coordenadora da escola, observando meu isolamento, me incentivou a participar: “Depois, quando a gente cresce, quer voltar a esses momentos de criança. Se prive não...”. Dos momentos que não me privei, muitos nem lembro mais, e os que lembro me confortam com a sensação de algo preenchido. Já o desconforto do vazio dos momentos em que me privei, esse não me deixa esquecer. Daí a necessidade de se marcar o futebol com meus amigos perna-de-pau. Porque minha ansiedade de desempenho não me deixa jogar com quem manda bem, e por querer tentar, simbolicamente, preencher a lacuna do passado no presente. Preferencialmente, marcando o gol da vitória que vai impressionar a menina bonita a olhar a partida.