Saturday, July 20, 2013

O elo central

Ninguém esperava, quando ele se foi. Um acidente não se espera, por definição. Ele era o elo central de uma corrente de cinco irmãos: os dois mais velhos mais materialistas, as duas mais novas mais espirituais. Ou pelo menos assim era, há quase trinta anos.

Cerca de um ano antes, um menino nascia. Também por acidente, ou melhor, não planejado. O pai, o segundo mais velho; o amor, numa terra distante. Terra que o elo central tinha sido o primeiro a desbravar, e recomendara para o irmão, também aventureiro.

O menino cresceu ouvindo histórias sobre o elo central. Ele gostava de ouvi-las: era como se já as conhecesse, mesmo antes da primeira audição. Bem nítidos se imprimiam o chapéu, a yoga e o banho frio às cinco da manhã do elo central na imaginação do menino. Ah claro, e as várias mulheres também.

O menino, filho único, brincava na infância com histórias nos livros. Na adolescência, passou a ser o elo central dos seus amigos. Numa sede de sociabilidade, o menino bebia muito, fumava muito. Muito novo para tudo isso. Durante o ensino médio, o menino ficou louco.

O pai não entendia, nem a mãe, nem ninguém. E o menino sentia que o elo central entenderia. Porque o elo central também tinha passado por aquilo tudo. Também ele buscara se libertar do ego, da prisão dos irmãos mais velhos. Também ele se afundara na loucura, na ausência de um princípio ordenador. E como ele, também dali o menino emergiria um novo homem.

O homem gosta de entender, não perdeu a curiosidade de menino. E se pergunta: como se explica a influência do elo central sobre ele? Vê-lo, só quando bebê, ou ainda no ventre, nada que se lembre. Apenas memórias de histórias, da boca de familiares, de amigos e, principalmente, do pai.

O pai falava sempre da produtividade pós-metamorfose do elo central. Para ele, a grande marca da transformação do irmão. Mas o menino intuía que o pai deixava de lado algo muito importante, na sua avaliação. Uma peça chave, sem a qual o quebra-cabeças não se monta. Afinal, o pai também é bastante produtivo, assim como o irmão mais velho. E o menino sentia essa peça-chave faltar em ambos.

Num jantar pós-natal, na casa de uma grande amiga da corrente, uma história jogou luz na peça-chave, até então fora de foco. A anfitriã falava sobre grandes festas com muita gente, sobre como o elo central acordava cedo no dia seguinte e providenciava o café da manhã para todos, mesmo sem ter vínculo com muitos. O menino viu ali uma capacidade de amar, para além de laços de sangue e matrimônio, um amor que se estende à humanidade, ao mundo. Um amor enorme, que jamais caberá numa prisão.

O homem sabe que sua imaginação de menino é cega para defeitos e hipersensível a qualidades. E agradece por só ter conhecido o elo central através da imaginação.