Ninguém esperava, quando ele se
foi. Um acidente não se espera, por definição. Ele era o elo central de uma
corrente de cinco irmãos: os dois mais velhos mais materialistas, as duas mais
novas mais espirituais. Ou pelo menos assim era, há quase trinta anos.
Cerca de um ano antes, um menino
nascia. Também por acidente, ou melhor, não planejado. O pai, o segundo mais
velho; o amor, numa terra distante. Terra que o elo central tinha sido o
primeiro a desbravar, e recomendara para o irmão, também aventureiro.
O menino cresceu ouvindo histórias
sobre o elo central. Ele gostava de ouvi-las: era como se já as conhecesse, mesmo
antes da primeira audição. Bem nítidos se imprimiam o chapéu, a yoga e o banho
frio às cinco da manhã do elo central na imaginação do menino. Ah claro, e as
várias mulheres também.
O menino, filho único, brincava na
infância com histórias nos livros. Na adolescência, passou a ser o elo central
dos seus amigos. Numa sede de sociabilidade, o menino bebia muito, fumava muito.
Muito novo para tudo isso. Durante o ensino médio, o menino ficou
louco.
O pai não entendia, nem a mãe, nem
ninguém. E o menino sentia que o elo central entenderia. Porque o elo central
também tinha passado por aquilo tudo. Também ele buscara se libertar do ego, da
prisão dos irmãos mais velhos. Também ele se afundara na loucura, na ausência
de um princípio ordenador. E como ele, também dali o menino emergiria um novo
homem.
O homem gosta de entender, não
perdeu a curiosidade de menino. E se pergunta: como se explica a influência do
elo central sobre ele? Vê-lo, só quando bebê, ou ainda no ventre, nada que se
lembre. Apenas memórias de histórias, da boca de familiares, de amigos e,
principalmente, do pai.
O pai falava sempre da
produtividade pós-metamorfose do elo central. Para ele, a grande marca da
transformação do irmão. Mas o menino intuía que o pai deixava de lado algo
muito importante, na sua avaliação. Uma peça chave, sem a qual o quebra-cabeças
não se monta. Afinal, o pai também é bastante produtivo, assim como o irmão
mais velho. E o menino sentia essa peça-chave faltar em ambos.
Num jantar pós-natal, na casa de
uma grande amiga da corrente, uma história jogou luz na peça-chave, até então fora de foco. A anfitriã falava sobre grandes festas com muita gente, sobre como o elo
central acordava cedo no dia seguinte e providenciava o café da manhã para
todos, mesmo sem ter vínculo com muitos. O menino viu ali uma capacidade de
amar, para além de laços de sangue e matrimônio, um amor que se estende à
humanidade, ao mundo. Um amor enorme, que jamais caberá numa prisão.
O homem sabe que sua imaginação de
menino é cega para defeitos e hipersensível a qualidades. E agradece por só ter
conhecido o elo central através da imaginação.