Friday, November 21, 2008

Para Lili.

Aquela festa prometia. A idéia de fazer dela um encontro do Couchsurfing possibilitava a presença de várias gatinhas, locais ou internacionais. E eu vinha numa boa fase, algumas paquerinhas promissoras para desenvolver minhas habilidades pegadoras, com alguns progressos aqui e ali, embora persistisse a dificuldade na hora do bote, na hora da finalização, quando a dita cuja já deu sinais suficientes que está afim, e o momento pede uma prática de língua não-verbal. Eu sempre ficava pensando em milhares de sub-etapas para completar essa tarefa do modo mais envolvente possível, e o resultado final normalmente acabava sendo o total fracasso da operação.

A festa começa, e a promessa não foi à toa. Bendito Couchsurfing! Era simplesmente a festa mais cheia de gatinhas da história daquele apartamento - do outro também, mas esse detalhe a gente omite. A verdade é que nas minhas festas sempre havia um predomínio da macharada - as poucas meninas que apareciam eram amigas de longa data, sem a menor chance de interação libidinosa. Mas naquela festa, quantas possibilidades! E mesmo que nada rolasse em direção às travessuras e gostosuras, a mera presença de gatinhas já muda o ambiente, já muda o papo, deixa tudo mais agradável de participar.

Alguém bota um Gonzagão, e o rala-bucho toma conta do salão, ou melhor, da salinha. Eis que uma das lindezas me chama pra dançar. Ah, se ela soubesse o quanto sou frustrado pela minha inoperância na área... Eu aceito, mas apesar da boa vontade dela, a dança não dura muito, pela minha total falta de jeito. Foi suficiente, porém, para focar o zoom do scanner naqueles olhinhos que brilhavam tanto, naquele sorriso de satisfeita consigo mesma, numa composição ao mesmo tempo meiga e peralta, que me deixou cheio de idéias interessantes.

Alguns tragos depois, a lindeza escaneada anuncia sua partida da festa, devido a forte sonolência provocada por certos temperos. Como assim?! No auge da festa? Protesto como os índios que tiveram sua terra invadida por uma empresa de celulose. Deu certo, ela decide ficar, mas precisa de um lugar pra descansar um pouco. Como bom anfitrião, a conduzo para um local onde ela pode cochilar sem perturbações, que por uma incrível coincidência vem a ser o meu quarto. Eu juro que, ao fazer a proposta, não estava pensando nas possibilidades que daí surgiam, minha intenção era mantê-la na festa. Mas o inconsciente tem razões que o consciente desconhece. Ao vê-la deitada, toda linda e sonolenta, sem mais ninguém no quarto, fui acometido por uma irresistível vontade de ouvir CDs que nunca achava, por mais que procurasse. Entrei várias vezes no quarto para completar essa missão, e ficava admirando-a com os outros 99% da atenção que sobravam da energia gasta com a procura das músicas perfeitas.

-Tás fazendo o quê? - Ela pergunta, despertando do seu soninho majestoso...
-Procurando uns CDs... odeio quando arrumam meu quarto, não consigo achar mais nada... tá tudo bem contigo?
-Ta tudo ótimo! - E eu tive a intuição de que as coisas podiam ficar ainda melhores. Sentei ao lado dela oferecendo um cafuné para ajudá-la na transição para o mundo dos despertos, e ficamos conversando sobre sabe Deus o quê, pois nesse momento minha mente trabalhava febrilmente nas milhares de sub-etapas... não lembro em qual delas eu estava quando ela me puxou pelo braço e a gente se beijou. Lembro que aquele beijo valia um milhão de sub-etapas se necessário fosse, e agradeci aos céus por ela ser muito mais competente na hora do bote do que eu.

De lá pra cá, os beijos se multiplicaram ao longo de quatro meses, compondo uma relação como eu nunca tive antes. Cada verso novo que eu ia lendo dela ia aumentando minha vontade de compor grandes obras em parceria. Ela é minha menina, eu sou o menino dela, e nossa sintonia é tão boa que eu me sinto como se esse entusiasmo de começo de namoro pudesse resistir ao tempo, a distâncias, ou qualquer outra dificuldade colocada por deuses brincalhões, a jogar xadrez com nossos destinos.

Hoje ela faz 27 anos, idade de morte de vários ídolos do rock, e data de meu nascimento. E é exatamente assim como eu me sinto em relação a nós dois: como se uma parte de mim, sempre de janelas fechadas, estivesse morrendo, para o nascimento de uma outra parte, que se nutre do sol que ela irradia. E o bem que isso tem me feito vai além de qualquer prosa, embora eu tente, bobo que sou, colocar esses mistérios em palavras, como um garoto tentando colocar oceanos em copos d'água. Feliz aniversário, Lili! ;)

Tuesday, November 04, 2008

Assombrações

Portanto, com a mesma certeza pela qual a pedra cai para a terra, o lobo faminto enterra suas presas na carne de sua vítima, alheio ao fato de que ele próprio é tanto o destruidor como o destruído." (Schopenhauer)

Aquele que luta com monstros deve acautelar-se, para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você." (Friedrich Wilhelm Nietzsche, "Além do Bem e do Mal.")


Certas frases causam arrepios à primeira leitura. Tinha por volta de 10 anos quando as li pela primeira vez, num livro de RPG chamado Vampiro: A Máscara, e são arrepios como esses que me fazem defender o jogo dos que tendem a reduzi-lo a vertentes mais mongolóides da nerdice. Fanáticos há em todo lugar, e não é difícil entender o fenômeno quando se entra em contato com a condensação de psicologia, mitologia e interpretação que o jogo proporciona, permeado de pérolas como as acima por todo o livro.

Jung (cujo nome li pela primeira vez adivinha onde?) defendia a idéia de que todos temos conosco uma sombra, que seria a parte de nós que nos causa desconforto. Ela é composta por conteúdos inconscientes, que nos levam a agir de modo diverso do que nosso ego entende como sendo razoável.

Em casos extremos, a sombra pode desencadear comportamentos violentos, contra pessoas queridas, por razões tolas. Daí a ênfase no pensamento de Jung em construir vias de acesso ao inconsciente, através de interpetações de sonhos ou outras formas de inferência, já que as gavetas que guardam taís conteúdos estão fora do alcance do nosso eu consciente.

Tais processos não eliminam a sombra. Mas compreendê-la, tornando-se ciente da suas causas e da dimensão dos estragos que pode causar, ajudar a lidar com ela de maneira mais saúdável. Ajudar a não sacrificar valores, sentimentos e relações por não conseguir resistir ao impulso da sombra de jogar tudo para o alto por um momento de ódio.