Tuesday, October 21, 2008

Belicosidade

Não acordei bem na última quarta-feira. Não sei se fui vítima de alguma trapaça onírica cujo registro me foi roubado ao acordar. O fato é que saí da cama com sede de destruição. Claro que minha cidadania e minha compreensão das leis do karma me impedem de causar danos realmente sérios aos que me circundam. Sacio minha “sede de sangue” deixando que minha chatice, arduamente mantida sob controle em dias normais, se eleve a níveis insuportáveis. Força desproporcional em discussões vãs, coitada da minha mãe, na carona pro trabalho. Passando a vista no jornal antes de sair de casa, me deparo com a notícia da morte do menino de 16 anos do Ibura que, segundo testemunhas locais, foi obrigado a beber loló por policiais militares. Era o que eu precisava, um alvo justo para canalizar a minha ira. Qualquer agressividade é justificável quando se combate por uma causa nobre, já diria nosso Dalai-lâmico George Bush.

Chegando ao trabalho, sou escalado para cobrir o seminário Constituição Cidadã e o Estado Transgressor, cujo mote é os 20 anos de Constituição Federal e o foco são as falhas do Estado em garantir os Direitos fundamentais previstos em lei. Cada semana tem como tema um Direito diferente, e adivinha qual era o daquela quarta-feira? Direito à Segurança Pública. A platéia recheada de policiais militares ia aumentando meu desejo de, na hora das perguntas, citar o caso do jornal e perguntar sobre medidas cabíveis para coibir esse tipo de prática por parte dos fardados. Não há nada melhor para a vaidade do que combater por uma causa nobre, que o digam meus colegas universitários engajados em certos movimentos sociais, cujo resultado concreto é muito menos uma melhora das injustiças combatidas do que um aumento no ibope com as coleguinhas.

Durante o seminário, meu dilema ia se avolumando: saciar minha sede de sangue implicaria em me expor a uma classe cuja provável indisposição eu não tenho o menor interesse em despertar. Ao mesmo tempo, a escrotidão do caso, as leituras recentes sobre os deveres do jornalista de não se calar diante das injustiças, iam agitando o Caco Barcellos dentro de mim.

Eis que, no auge de toda essa tensão, sou socorrido por uma cavalaria, que atende pelo nome de Juíz Laete Jatobá. Indiferente aos meus receios, protegido pelo seu cargo, o Juíz não deixou pedra sobre pedra ao falar das injustiças da própria Constituição, que privilegia o patrimônio privado em detrimento do público, e das distorções do Código Penal Militar, resíduo dos tempos de ditadura, que faz com que apenas 0,97% dos casos de denúncia contra policiais resultem em algum tipo de punição. Era o juiz falando, os policiais se coçando, e eu quase gozando, vendo minha “sede de sangue” ser satisfeita, com muito mais propriedade, com muito mais impacto, e sem nenhum possível efeito colateral contra mim. Ás vezes, não há nada melhor do que gozar com o pau alheio, que o digam os fanáticos por futebol ao verem seu time jogando uma partida impecável.

Monday, October 06, 2008

Chamada a cobrar

Não ouça o que ele diz.
Dez minutos são suficientes para te convencer
da verdade das loucuras dele.
Cada ilusão sustentada por um encadeamento lógico de evidências e conclusões.
Sua paranóia é contagiante, de tão verossímil.
É por isso que ele hoje vive num sanatório
e você não deveria atender essa ligação.