Friday, June 01, 2007

Dentro da Bolha

A gente vai vivendo dentro da bolha, e quando se dá conta, já deixou de percebê-la... Fazendo os mesmos trajetos, porque a violência não recomenda certos caminhos, a violência é parceira da bolha, elas dividem os lucros no fim do mês. E esse mundo, vasto mundo, vai se tornando pequeno, como aquelas paredes dos desenhos animados, que vão diminuindo o espaço até que o herói escape por uma passagem secreta, evitando por segundos o esmagamento.

A bolha, o mundo pequeno... Neste momento, 22h46min, eu gostaria de caminhar pelas proximidades da minha casa, prestando atenção nos caminhos, em busca da passagem secreta. Mas em qualquer esquina pode haver uma armadilha mortal, ou pelo menos essa é a idéia corrente, e o medo, principal componente da bolha, me leva a não conferir o risco.

Falando assim, pareço um pirralho de condomínio rico, desconhecedor do mundo fora das cercas eletrificadas. Nada, eu já fui maloqueiro, andava pelas madrugadas de ônibus, e nem faz tanto tempo assim. A violência aumentou um bocado de lá pra cá, eu mudei de bairro, a bolha cresceu, ou melhor, a bolha diminuiu o meu mundo.

Tem hora que dá uma vontade danada de dizer: “que nada! Dane-se a violência, aqui quem comanda é a gente!”, como na época em que eu andava pelas madrugadas de ônibus, protegido pela inocência de me achar maloqueiro, ou pela violência ainda não tão grande. Era uma proteção bem melhor que a da bolha.

O que se pode fazer para sair da bolha? Correr risco ao andar pelas madrugadas de um bairro violento da capital mais violenta do Brasil? Só se for de carro, que meu escudo-de-inocência-maloqueira já se quebrou. Fazer trabalho social nas comunidades próximas à minha casa, ganhando o respeito da bandidagem e passe-livre pelas redondezas, além de contribuir um pouquinho para minimizar a violência? É uma boa opção, embora o tal respeito possa não passar de viagem minha. Mas a bolha, além de reduzir o mundo, e talvez exatamente por isso, também deixa apático. Descontente com a situação, mas sem energia para combatê-la. Até porque meus atos quase nada mudariam, e a estória de fazer a minha parte, embora bonita, é insuficiente para me tirar da inércia.

“Então morra na bolha, preguiçoso maldito!” – é o que escuto, de longe, do jovem inconformado que ainda não teve seu idealismo destroçado pelo mundo. Não faz tanto tempo que sua voz era próxima, quase saindo da minha própria boca, quando andava de ônibus pelas madrugadas da cidade. Pena que foi ficando distante, não por coincidência, à medida que fui me deixando aprisionar pela parceira da violência, com quem divide os lucros no fim do mês.

2 comments:

Anonymous said...

Pois é, meu amigo, eu tenho a impressão de nunca ter saído da bolha.

Acabei saindo da cidade. Mas em agosto volto pra passar um pedaço das férias.

Abraço,

Silvio.

Anonymous said...

Oi, Bernardo, meu nome é Tereza. Trabalho com Nilza, pessoa muito séria, responsável e competente. Já o admiro através de sua mãe, e agora muito mais, ao ler esse texto, muito bem escrito, sobre o seu amigo, tão querido, que se foi prematuramente.Lá onde ele está, Bernardo, como você bem disse, a melodia deve estar emocionando até o tempo que o levou. Saber que ele está bem, é tudo, para amenizar a saudade. Beijo grande.Tereza Pereira