Wednesday, April 09, 2008

Quebra de Mecanizações

Tem horas que fico enjoado do meu jeito de falar. A música da fala, as entonações, as subidas e descidas, tudo isso fica tão mecânico, tão automático, que cansa. E aí o falar sai do prazer para o fardo, terminando o quanto antes, como toda obrigação inadiável. E eu lembro bem da satisfação de brincar com as teclas verbais, compondo frases que soam bem aos ouvidos. tornando muitas conversas corriqueiras um momento de deleite. A lembrança do que falta só incomoda quando já se teve.

Eu tive a sorte poder quebrar essa mecanização 2x por ano, quando viajava para passar as férias com minha família em Belo Horizonte. As brincadeiras com meu sotaque nordestino me levaram a mudá-lo nessas ocasiões, trocando o "ti" e "di" por "tchi" e "dchi", e o "esse" chiado pelo sibilado. Era bem divertido, me permitia degustar as palavras de outro jeito, e ao voltar para meu sotaque natural, a quebra da mecanização também lhe dava um sabor especial.

Com a adolescência e suas demandas de afirmação de identidade, mudar o sotaque me parecia falso, uma demonstração da insegurança que eu queria combater. Abandonei as quebras, embora notando que meu falar nordestino dirigido à minha família do sudeste não era exatamente o mesmo do praticado com meus conterrâneos. As quebras ficaram restritas às imitações caricatas dos outros sotaques, brincadeira que ainda hoje me diverte um bocado, não dispenso uma oportunidade de falar bobagem em carioquês.

Descobri uma nova quebra falando inglês. Me divirto conversando, lendo textos em voz alta, e noto que em inglês eu faço menos rodeios, e me sinto mais à vontade para expressar certas idéias. É como se em português eu ignorasse as idéias comuns, buscando as brilhantes, enquanto que em inglês as idéias comuns me soam boas de serem ditas.

Pertencer a um lugar, a um sotaque, à uma cultura, traz mais ônus do que bônus? Me parece que quem está muito preso na própria sente dificuldade em apreciar outras. E quebra mecanizações com muito menos frequência.

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