Thursday, July 10, 2008

Como parar de beber sem arruinar sua vida social

Parar de beber exige muita personalidade, principalmente se você é jovem e não está disposto a largar a boemia junto com o álcool. Para a maioria, não existe diversão sem manguaça, o que te leva a ser visto como um penitente, alguém que trabalha contra o próprio bem-estar, como os religiosos extremistas que se chicoteiam para se elevar espiritualmente, abrindo mão dos prazeres da carne. Muitas vezes, ao abandonar a birita, o cidadão encontra dificuldades em manter seu círculo de relações, ou manter relações no círculo. Alguns cuidados, portanto, são necessários para que o abandono da marvada não te deixe numa “lei seca” capaz de tirar sua concentração não apenas no trânsito, mas em todo o resto.

Nessa luta pela manutenção do seu equilíbrio psicológico, substituição é a regra de ouro. Na natureza nada se perde, tudo se transforma, e isso é ainda mais verdadeiro no caso de vícios e muletas sociais. Se você for numa reunião dos Alcoólicos Anônimos, vai perceber que café e cigarros ali são consumidos em quantidades industriais. Cigarro durante muito tempo foi um grande conector de pessoas, mas os cuidados com a saúde e sua proibição em ambientes fechados vêm fazendo com que ele despenque no ranking de alternativas sociais ao levantamento de copos. Café continua eficiente, mas sua penetração é limitada, dominada pela turma dos óculos quadrados, uma área de difícil inserção se Truffaut não mora no seu coração, como dizem The Playboys.

Duas alternativas vêm galgando posições com uma rapidez impressionante: maconha e açaí na tigela. A primeira vem deixando de ser coisa de maloqueiro, artista ou Ministro da Cultura para se espalhar pelas bocas das mais variadas tribos e camadas sociais. É uma muleta cujos donos têm prazer em compartilhar, especialmente com belos exemplares do sexo oposto. Tem o inconveniente de ser ilegal, o que pode te causar problemas para obtê-la, se você ainda não entrou na universidade.

Açaí na tigela cobre a área que a maconha não alcança: a geração saúde que freqüenta academias e se preocupa em ter uma mente sã num corpo são, à base de halteres e livros como O Segredo. As porções são generosas, próprias para se comer a dois. O lado negativo é que, para que os dois se comam, é necessário terem gasto tempos semelhantes no cultivo do corpo. Afinal, todos que investem numa atividade tão entediante esperam uma recompensa à altura, que se traduz num parceiro capaz de provocar torcicolos ao caminhar pela praia.

Jogos também são uma grande pedida. As pessoas precisam de pretextos para se encontrar para jogar conversa fora: se convida para uma cerva, para um açaí na tigela, para bater umas pedrinhas (dominó, viu noiado?), mas ninguém propõe um banco de praça debaixo de uma árvore num dia de sol para trocar idéias emolduradas pelo canto dos passarinhos. Jogos são um excelente pretexto, a menos que você seja uma criatura altamente competitiva como eu: nesse caso, destroçar os patos ao lado é muito mais importante que conversar, o que pode atrapalhar a fluência do diálogo. Outro problema é o semear da discórdia ocasionalmente causado pela jogatina: muitos namoros ou amizades foram seriamente abalados por partidas de War. Convém tomar cuidado com as gréias dirigidas a quem está perdendo: há registros de assassinatos cometidos por conta de uma ficha de Playtime.

Como se vê, quem abandona os descaminhos etílicos pode se encontrar em várias outras direções. Todas as alternativas aqui apresentadas são compatíveis com a Lei Seca, que vem dando azia aos pinguços de plantão. Libertar-se da tirania etílica é resgatar a paz e energia da infância, quando você se identificava com as historinhas do Do Contra. Ao descobrir sua essência interior, e descambar para os vícios revelados por esse insight, sua identidade se firma tanto que você passa a acreditar que é alguém único e especial. E é de ilusões como essa que as pessoas precisam para viver bem.

7 comments:

Unknown said...

A minha impressão leiga é a de que o álcool é, antes de mais nada, uma diversão barata.
Dito a mesma coisa de outra forma: alternativas de lazer são, em geral, muito caras. Coisa de país desenvolvido.
Por exemplo, o citado jogo "War". Não apenas o joguinho é meio caro, mas ele exige uma infra-estrutura invejável: cerca de cinco horas livres e um abrigo bacana (apartamento, casa...).
Jogar basquete é impossível em praça pública. Nunca vi uma quadra pública com aro e barbante preservados. O guri tem que fazer "escolinha" ou estudar num colégio particular, que tenha quadra poliesportiva, ou morar num condomínio bacana. Vôlei, a mesma coisa, ou vá morar na beira da praia de BV.
Tem gente que monta uma banda. E tome dinheiro com instrumentos, etc.
Pingue-pongue? Dinheiro para raquete, mesa, bolinha...
Magic? Ainda existe isso?
Paint-ball? Boliche? Imagem e Ação?
Caramba, eu sou burguês demais: Não consigo pensar num divertimento não etílico acessível aos menos favorecidos.
Ah, o xadrez!
Não, xadrez não... Jogo de "nobre".

Abraço,

Silvio.

Bernardo said...

Pô Silvoca, e o futebol, que qualquer bola de meia e 2 sandálias resolvem?

E a porrinha, dominó, o baralho, a sinuca? Desde que vc ñ jogue apostando, são todas opções bem baratas...

Eu acho que o seu "diversão barata" em relação ao álcool se aplica mais ao "esforço" que é preciso fazer para que a diversão ocorra... no caso do álcool, levar um copo à boca... jogos e esportes exigem mais energia física e mental para que a coisa funcione...

Abraço!

Unknown said...

Pois é, mas a impressão que eu tenho é que porrinha, dominó, baralho e sinuca desempenham o mesmo papelo do "tira-gosto": acompanham o principal, que é a bebida.

Agora "forcei" no argumento, num foi não?

Abraço!

Bernardo said...

Hehehehe, pra mim os jogos são o prato principal, mas nem todos são jogadores compulsivos como eu... :D

Unknown said...

e olhaí...assista o vídeo para que você possa se tornar um desportista competitivo de verdade, e não esse que você diz(nunca vi ganhar de ninguém no ping-pong hehe

http://video.globo.com/Videos/Player/Esportes/0,,GIM857131-7824-CHINA+GRANDE+POTENCIA+NO+TENIS+DE+MESA,00.html

Termos casuais said...

Caralho bernando depois desse post sou oficialmente teu fã

Anonymous said...

"muitos namoros ou amizades foram seriamente abalados por partidas de War." No meu caso, trocaria War por Imagem e Ação...=PP
Bernardo, realmente, você tem o dom de convencer, adorei o discurso, porém, acredito que essa seja uma discussão muito mais profunda e psicológica...há fatores que intervém nesse meio entre o querer e o não querer...o "saber se divertir" de outras formas, existe, e eu concordo e muito com vc...mas a dimensão dos fatos é muito maior, é cultural, social, e problemática...
mas suas palavras são muito válidas... gostei do post! vou enviá-lo para várias pessoas...hehehe

beijos....