Saturday, September 13, 2008

Pedidos e defesas

Pedir dinheiro é uma prática com a qual eu tenho uma certa intimidade. No começo da adolescência, costumava ir aos sinais, alegando assalto e ausência de meios para voltar para casa, ou falta de recursos para realizar trabalhos de Feira de Conhecimentos, para converter a generosidade dos motoristas em subsídios para nossas farras etílicas. Eu não me orgulho, hoje, da falta de ética de então, embora a lembrança do fato me traga um sorriso nos lábios. Alguns tipos de diversão envolvem uma certa dose de sacanagem.

Agora, a situação se inverteu. Todos os dias meus trocados são suplicados pelos que carecem do que precisam, seja um prato de comida ou um copo de cachaça. Isso ocorre com tanta frequência que eu reajo como um robô, com uma resposta automática: tô sem moeda. É impossível atender a todos, e eu já aprendi a lidar com a culpa de não estar fazendo nada para ajudar a melhorar esse triste quadro.

Semana passada, no entanto, um pedido atravessou minhas defesas. Perguntando na banca de revistas qual a parada de tal ônibus, sou abordado por um cara de olhar angustiado:
-Parceiro, com licença, será que você não tem...
-Tô sem moeda - respondi, cortando o cara com meu automatismo.
-Né moeda não parceiro, é fome! Eu tô com fome, meu véio... acho que você não sabe o que é isso não, né?
Fiquei sem reação por alguns instantes, mas meu automatismo prevaleceu, ali na hora. Insisti na ausência de moedas, o cara me lançou um último olhar de frustração intensa, virou as costas e foi embora.

Caminhei atordoado para a parada de ônibus, e logo a confusão deu lugar ao arrependimento, de ter deixado minha couraça robótica tomar conta daquela situação. Chequei a carteira e vi que de fato só tinha umas poucas moedas, que mal dariam para uma pipoca, mas havia um banco perto, e eu tive vontade de correr atrás do cara para pagar-lhe um prato feito, conversar sobre as dificuldades dele, colaborar de alguma forma para ajudar um dos inúmeros personagens do triste quadro, um personagem cujos olhares e fala conseguiram furar o escudo resultante de anos de exposição diária à miséria alheia.

Mas eu demorei demais para transformar minha vontade em ação, o cara já deveria estar longe, e eu já estava em cima da hora para um compromisso... em pouco tempo meu ônibus chegou, e eu percebi que esse furo nas minhas defesas renderia apenas um texto, uma outra forma de defesa, que suaviza minha angústia, mas não a do cara que a gerou.

4 comments:

Anonymous said...

Sabe Bernardo, de vez em quando eu também me surpreendo com alguma atitude minha gerada justamente por essas defesas que adquirimos com o passar dos anos e eu brigo feio comigo mesma pra que elas não grudem em mim como aquelas plantas que crescem em cima das outras que terminam enfraquecendo sem luz e lhes sufocando. Essas defesas são, pra mim, as parasitas da alma. Não vou prolongar essa historia por aqui, pois sei que você vai dizer que elas são necessarias pra gente sobreviver e como já vimos antes temos pontos de vista diferentes. Respeito o seu sempre.
E outra... eu cada vez mais fico intrigada com o seu maloquerismo adolescente insuperavel hahaha pedir dinheiro no sinal se aproveitando dos motoristas credulos e penalizados com aquele menino de oculos fundo de garrafa e mochilinha nas costas ai ai ai ;P
Bjo enorme
Lili

Unknown said...

Então Lili, eu acho que você tem razão também. As defesas bloqueiam não apenas as trevas, fazem o mesmo com a luz, como você bem colocou.

É o tal dilema: é melhor sentir altos e baixos intensos, ou cultivar uma estabilidade, puxando ambos para o meio?

Quanto à maloqueiragem, nessa época os óculos fundo de garrafa já tinham dado lugar às lentes de contato, marco inicial da maloqueirice. Os tais "motoristas crédulos e penalizados" fechavam era o vidro com medo daquele ser com um "saco de feijão" na cabeça e óculos escuros... mas quando me davam chance de falar, aí às vezes rolava uns trocados, especialmente na semana seguinte à morte de João Cabral de Melo Neto, quando a abordagem era a de levantar recursos para um trabalho de escola sobre ele... :D

Anonymous said...

Caro Bernardo wally Mutley, acredito que nossos comportamentos autônomos nessas situações são muito semelhantes às nossas indiferenças perante o estado violento que vivemos hoje, à exposição da sexualidade em qualquer faixa horária(apesar de sexo não ter hora) e até à nossa imobilidade de fazer valer nossos direitos cívicos; tudo guardada suas devidas proporções. Quase tudo quase sempre esta quase bem.
Vivemos em um país em que a graça é a desgraça alheia. Somos bombardeados o tempo todo e em todos os meios, quando não com imaperativos para consumirmos, com sangue. Desculpe, mas a Fome é manchete antiga.
Nos são apresentadas duas maneiras para lidarmos com a situação: Uma é não dar esmolas, afinal as pessoas que pedem devem usa-las para se drogarem, e quando não, com certeza não é para coisa boa. E continuamos de braços cruzados. A outra é contribuirmos para a AACD no final do mês e sairmos com a alma lavada. O dízimo dos tempos modernos. Velho, eu sou feito tu, nunca passei fome e não sei o que é isso, mas acredito que muitas vezes, mais do que trocados, essas pessoas precisam mesmo de atenção. Se sentirem gente como " a gente".
Certa vez ao sair de um banco uma mãe pedia esmolas enquanto sua filha brincava ao lado, naquelas realidades só possíveis nas cabeças das crianças, passei a mão em sua cabeça como se dissesse que fofo!! No caminho para o carro um parente meu tentara me convencer que aquele ato praticamente iria gerar uma epidemia da pior doença do mundo aqui em casa, eu podia perder a mão, passar doença aos meus familiares e sabe mais o que.
Bati o pé que não. Pensei que talvez aquele ato tão bobo fosse tudo que ela e nós precisamos de vez em quando. Valia a pena arriscar a pior doença do mundo.
Enfim, algumas vezes uma caxassa, um prato de comida ou um cigarro...mas sempre um com licença, um por favor e um obrigado.

Giordano.

Anonymous said...

Bonjorno, bernamutley.blogspot.com!
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