Tuesday, August 05, 2008

O Inferno dos Outros

Voltando do trabalho com o bom humor de quem está a poucos minutos de um delicioso almoço, vejo um cãozinho hesitante no meio da rua, na frente do carro à minha esquerda, que parou para evitar o "laticínio". O bicho ameaça entrar na minha faixa, paro o carro também, assim como o carro à minha direita. O cãozinho então desaparece da minha vista, e após alguns instantes eu e o da direita damos partida, no que ouvimos os ganidos de dor do bichinho atingido. Não sei qual de nós o acertou, nem se ele sobreviveu. Sei que o desespero do animal, correndo em círculos e gemendo alto, ficou impresso em minha mente, destruindo o bem-estar que me acompanhava na ocasião.

Viajando com um amigo, a conversa desagua no caso do primo dele, que anda deslumbrado com drogas e bandidos, matando os pais de desgosto com a impenetrável questão: onde erramos? O primo teve acesso ao melhor que a classe média pode oferecer. Na ânsia por respostas, especula-se sobre a revolta dele ao se descobrir adotado, sobre o excesso de liberdade concedido pelos pais, sobre a falta de uma atitude mais enérgica para recolocá-lo nos trilhos quando começou a descarrilhar... É imposssível medir o peso de cada fator no descaminho do primo, e "o que aconteceria se..." é uma pergunta tão inevitável quanto inútil.

Ao falar sobre o sofrimento do tio, que deixa ele próprio penalizado, meu amigo apontou que o primo não está nem aí para isso. E aqui chegamos ao que me parece o X da questão: a capacidade de se sensibilizar com a dor alheia. A imagem do cachorrinho, que tanto me abalou, provavelmente seria recebida com indiferença pelo primo.

Pesquisas recentes indicam que essa capacidade é determinada geneticamente: ao examinar o cérebro de vários psicopatas, os cientistas notaram um traço em comum: a ausência de uma substância necessária para o bom funcionamento da área cerebral responsável pela sensibilidade ao sofrimento dos outros.

É impossível medir separadamente o peso da genética e do ambiente na construção da personalidade. Nos sentimos melhor acreditando na predominância do meio, pela possibilidade de mudanças, melhoras... É doloroso aceitar que nosso precioso livre-arbítrio, ou as escolhas dos nossos pais, respondem muito menos pelo que somos do que nossos cromossomos. Principalmente quando é nosso filho quem ignora nossos ganidos e nossas corridas em círculos para tentar ajudá-lo.

3 comments:

Unknown said...

Duas vertentes determinam nosso ser:

1) Cromossomos
2) Como somos

A propósito, qual o nome da substância e que fruta ou legume a gente tem que comer para obtê-la?

Isso é importante!

Abraço,

Silvio.

Anonymous said...

O problema é como aceitar que, mesmo convencido da prevalência genética, não se há o que fazer. Como ser indiferente aos indiferentes com quem nos relacionamos?? Grande Texto, Grande abraço, Berna das quebradas!

Rafael said...

Você é tão sensível ao sofrimento da sua mãe quanto é ao dos cachorrinhos? Você tem tanto calo na sua mão quanto no seu pé? Quando você ler Proust, vai conhecer na empregada que povoou a casa da infância dele a capacidade de se importar tanto com o sofrimento do desconhecido quão pouco com o do conhecido.