Tim Maia, passada a sua fase Racional, renegou a obra-prima que tinha feito, num processo semelhante ao de Baden Powell, que renegou os seus afrosambas depois que se tornou evangélico. Eu defendia a tese de que é uma bobagem renegar obras-primas que você compôs, só porque seu atual sistema de crenças entra em choque aquele em vigor no momento da criação. Lili, minha namorada, defendia a tese de que é um direito deles renegar o que quiserem, e que bobagem é eu perder tempo julgando essas escolhas alheias.
A discussão se estendeu até a chegada da minha cunhada, que achou que nós estívessemos brigando, devido ao excesso de entusiasmo na defesa de nossas posições (e de uma certa dificuldade em assimilar a posição do outro, já que elas entravam em choque). Acabamos suspendendo a discussão, em prol da paz, do amor, e da harmonia familiar e conjugal, muito embora Lili insistisse em levar a discussão até o fim.
A situação tirou minha mente do mérito das obras renegadas, e a trouxe para o desprazer em discutir, um padrão muito comum, que eu tenho dificuldades em aceitar. Eu adoro discutir, acho uma excelente maneira de desenvolver as idéias, a capacidade argumentativa, de obter vários perspectivas sobre determinado assunto. Mas a maior parte das pessoas não gosta de discutir. Melhor dizendo: a maior parte das pessoas não gosta de discordar, como se o ato implicasse em ofensa, em chateação, ou mesmo mágoa.
Creio que isso ocorre por que tendemos a desenvolver um apego muito forte a nossas crenças e opiniões. Quando elas são atacadas, sentimos como se o ataque fosse dirigido a nós mesmos. É uma ameaça ao ego, que está sempre buscando por confirmações dele próprio, como conversar com pessoas de visão semelhante a nossa. O problema é que nossas crenças e opiniões, assim como nosso ego, precisam ser colocadas em xeque para se desenvoler.
Um argumento comum para evitar uma discussão é que ela não vai levar a lugar nenhum. Ora, o mero ato de expressar as idéias de forma persuasiva já leva a ativação de sinapses no cérebro, melhorando nossa cognição. E mesmo que permaneçamos com a mesma posição que tínhamos antes da discussão, há uma grande diferença entre a opinião que sobrevive aos questionamentos e a opinião que sobrevive por falta de questionamentos.
Muitas vezes o "vencedor" de uma discussão não é o que tem a posição mais coerente, mas aquele que melhor sabe defender sua posição, o que tem melhor capacidade argumentativa. É desagradável quando sabemos que estamos certos, mas não conseguimos traduzir essa certeza em argumentos fortes o suficientes para rebater os do "adversário". E quanto mais evitamos discutir, mais isso ocorre, por pura falta de treino.
Esse treino não deveria colocar em xeque nossas relações e vínculos emocionais. Lembro sempre das inúmeras discussões que tive com o ilustre Ferroso, discussões que muitas vezes se acaloravam muito além da conta, com os presentes achando que estávamos na iminência de sair no tapa. E nunca deixamos de ser grandes amigos por conta disso.
Ia fechar o texto com algo sobre um modelo de discussão cooperativo, em vez de competitivo. Soa muito mais proveitoso e convidativo. Ao mesmo tempo, o modelo competitivo está em todo lugar, e tenho minhas dúvidas em relação a validade de evitá-lo, ou a possibilidade de transformá-lo em cooperação. Sendo assim, prefiro reafirmar a bobice de Tim Maia e Powell em renegar suas obras-primas. Quem quiser que discorde.
A discussão se estendeu até a chegada da minha cunhada, que achou que nós estívessemos brigando, devido ao excesso de entusiasmo na defesa de nossas posições (e de uma certa dificuldade em assimilar a posição do outro, já que elas entravam em choque). Acabamos suspendendo a discussão, em prol da paz, do amor, e da harmonia familiar e conjugal, muito embora Lili insistisse em levar a discussão até o fim.
A situação tirou minha mente do mérito das obras renegadas, e a trouxe para o desprazer em discutir, um padrão muito comum, que eu tenho dificuldades em aceitar. Eu adoro discutir, acho uma excelente maneira de desenvolver as idéias, a capacidade argumentativa, de obter vários perspectivas sobre determinado assunto. Mas a maior parte das pessoas não gosta de discutir. Melhor dizendo: a maior parte das pessoas não gosta de discordar, como se o ato implicasse em ofensa, em chateação, ou mesmo mágoa.
Creio que isso ocorre por que tendemos a desenvolver um apego muito forte a nossas crenças e opiniões. Quando elas são atacadas, sentimos como se o ataque fosse dirigido a nós mesmos. É uma ameaça ao ego, que está sempre buscando por confirmações dele próprio, como conversar com pessoas de visão semelhante a nossa. O problema é que nossas crenças e opiniões, assim como nosso ego, precisam ser colocadas em xeque para se desenvoler.
Um argumento comum para evitar uma discussão é que ela não vai levar a lugar nenhum. Ora, o mero ato de expressar as idéias de forma persuasiva já leva a ativação de sinapses no cérebro, melhorando nossa cognição. E mesmo que permaneçamos com a mesma posição que tínhamos antes da discussão, há uma grande diferença entre a opinião que sobrevive aos questionamentos e a opinião que sobrevive por falta de questionamentos.
Muitas vezes o "vencedor" de uma discussão não é o que tem a posição mais coerente, mas aquele que melhor sabe defender sua posição, o que tem melhor capacidade argumentativa. É desagradável quando sabemos que estamos certos, mas não conseguimos traduzir essa certeza em argumentos fortes o suficientes para rebater os do "adversário". E quanto mais evitamos discutir, mais isso ocorre, por pura falta de treino.
Esse treino não deveria colocar em xeque nossas relações e vínculos emocionais. Lembro sempre das inúmeras discussões que tive com o ilustre Ferroso, discussões que muitas vezes se acaloravam muito além da conta, com os presentes achando que estávamos na iminência de sair no tapa. E nunca deixamos de ser grandes amigos por conta disso.
Ia fechar o texto com algo sobre um modelo de discussão cooperativo, em vez de competitivo. Soa muito mais proveitoso e convidativo. Ao mesmo tempo, o modelo competitivo está em todo lugar, e tenho minhas dúvidas em relação a validade de evitá-lo, ou a possibilidade de transformá-lo em cooperação. Sendo assim, prefiro reafirmar a bobice de Tim Maia e Powell em renegar suas obras-primas. Quem quiser que discorde.
4 comments:
Meu amigo, a fronteira entre defender as próprias opiniões e defender a si próprio, que você menciona no seu texto, o que envolve, também, as relações entre o discurso político, as ideologias, os arcabouços legais e as práticas cotidianas, é simplesmente uma das temáticas mais relevantes que existem no mundo.
Acredito eu que compreendê-la, em profundidade, e bem difundir essa compreensão mais aprofundada, justifica de sobra um prêmio Nobel da Paz.
Quando uma pessoa se mata em nome da religião, por exemplo, está defendendo uma opinião com a própria vida.
Obrigado pela brilhante exposição!
Abraço,
Silvio.
Ainda tem também os que renegam obras que nem são tão primas assim. Acabam gerando conflitos também...
Los Hermanos nunca conseguiram superar a "obra prima" Ana Júlia. Vai ver a banda acabou por não superar as próprias frustrações de ter baseado sua história, mesmo que involuntariamente, numa música boba.
Sei lá.... Eles podiam até renegar pesadamente a música, mas não sei se na pratica funcionaria.
Na verdade não funcionou, né?
Bernardo,
Platoniando em direção ao Mito da Caverna, você tem sorte em não ser apedrejado até a morte. Discordar é preciso, por isso concordo contigo (isso sim é um paradoxo!)
Na verdade Tim Maia não renegou a obra, mas sentiu-se enganado por Jacinto Coelho, o fundador da seita Universo em Desencanto, por motivo monetário, diga-se de passagem. Enfim, o melhor é que tanto os discos de Tim quanto os volumes do ‘Universo em Desencanto: Imunização Racional’ são lindos. Acho que devemos olhar o lado bom da coisa sempre, e ficar atento as manipulações de toda ordem, é claro. É aí que as discussões tornam-se mais importantes ainda - quando propiciam a troca de conhecimentos, nos dando oportunidade para analisar a questão com focos diversos. É por isso que é importante saber ouvir. Só assim poderemos ultrapassar o simplismo das opiniões formadas que não servem para nada, que não chegam a lugar nenhum, e conseguirmos propor algo louvável com nossas discussões.
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