Thursday, February 26, 2009

Civilidade alemã x amistosidade brasileira

Ao ser "presenteado" com a tradicional descortesia brasileira no trânsito, fiquei pensando na aparente contradição: no Brasil, as pessoas se relacionam de maneira muito mais amistosa do que nós países nórdicos, onde a frieza predomina. No entanto, nesses países há um respeito pelos direitos do próximo, que vai do dar passagem no trânsito às filas para entrar no ônibus, enquanto no Brasil prevalece a lei do cão: cada um por si, todos contra todos, e que vença o mais esperto.

Patrick, um português que morou no Brasil quando criancinha e reside há muito tempo na Alemanha, falou que a combinação de frieza e civilidade, característica dos países nórdicos onde tudo funciona, são consequências da mesma causa: racionalidade em excesso. Na Alemanha, as pessoas dão passagem no trânsito não porque são boazinhas ou porque se preocupam com os demais: o fazem por obediência às regras que asseguram que os direitos de um não incomodem o outro.

De acordo com Patrick, essa obediência às regras, que faz com que tudo seja como deve ser, nos mínimos detalhes, faz da Alemanha um país de excelência tecnológica e científica, onde o trabalho é eficiente e rende frutos, os serviços funcionam com extrema pontualidade, e as pessoas respeitam os direitos dos outros.

Porém, essa obediência às regras é tão inflexível que o meu amigo já presenciou um alemão esperar o sinal abrir para atravessar a rua, debaixo de uma chuva torrencial, às quatro da manhã, sem o menor sinal de carro nas imediações e nenhuma criança por perto para ser deseducada com o mau exemplo. Das várias vezes que o Patrick atravessou a rua em situação semelhante, teve que lidar com o patrulhamento civil dos outros alemães: "não está vendo que o sinal está vermelho?!". Em outra situação, Patrick estava tirando um som com amigos num parque grande o suficiente para que os vizinhos não fossem incomodados, mas às 10h da noite estava a polícia a acabar com a festa, porque é probido qualquer barulho a partir daquele horário.

O portuga-alemão acredita que cada um deveria poder fazer o que quiser, desde que não cause mal a ninguém. Atravessar a rua nas situações descritas não prejudica pessoa alguma. No entanto, os alemães se incomodam com qualquer desvio das regras de conduta, por menor que seja, por mais inofensivo que seja. Falta-lhes flexibilidade para reconhecer que, em determinadas situações, a obediência cega às regras simplesmente não faz sentido.

Por outro lado, permitir a desobediência às regras em casos justificáveis pode abrir margem para a desobediência em casos injustificáveis, como acontece no Brasil. "O bom-senso deveria guiar isso", afirmou minha namorada, mas essa é uma qualidade que nem todos compartilham, e que dá espaço para uma certa margem de variação. Afinal de contas, se todos tivessem bom-senso, e se esta qualidade fosse exatamente a mesma em todos, não haveria necessidade de lei alguma.

Mas o que mais incomoda o portuga-alemão é a inamistosidade germânica. Ele cansou de cumprimentar as pessoas no trabalho e ser ignorado. A frieza e a racionalidade são tão intensas que Patrick tem a sensação de viver numa sociedade de robôs. Há pouco espaço para o calor humano, o humor é seco, sem ironias, sem jogos de palavras, com as pessoas dizendo sempre exatamente o que elas querem dizer, utilizando a função referencial da linguagem o tempo todo.

Patrick afirma que há dois tipos de brasileiros (e latinos em geral, que compartilham um lado emotivo mais forte) na Alemanha: os que adoram o fato de que tudo funciona com perfeição, se adaptando bem, e os que não conseguem lidar com a ausência de calor humano, e ou vão embora ou permanecem infelizes. Segundo ele, há estudos indicando que o nível de felicidade do povo alemão é dos mais baixos do mundo (vou cobrar dele os links).

A grande questão é se é possível uma sociedade unir o melhor dos dois mundos: a disciplina, eficiência, organização e civilidade alemãs com a amistosidade, flexibilidade, improviso e calor humano brasileiros. Será que um alto desempenho numa dessas áreas implica num baixo desempenho na outra? Seria interessante se a sociedade brasileira atingisse os mesmos níveis de desenvolvimento cívico, econômico e social da sociedade alemã, para observar se esse progresso seria acompanhado da substituição das características do povo brasileiro pelas do povo alemão.

***
Links dos estudos sobre os níveis de felicidade nos diversos países:
http://www.le.ac.uk/users/aw57/world/sample.html
http://www.happyplanetindex.org/map.htm
http://www.technovelgy.com/ct/Science-Fiction-News.asp?NewsNum=893
http://www.worldvaluessurvey.org/

5 comments:

Anonymous said...

curiosidade: os alemães que são carnavalizados em Olinda permanecem os mesmos robôs de sempre ou acabam ficando no Brasil pra montar uma ONG ou uma padaria?

Unknown said...

Na qualidade de indivíduo que transita com frequencia entre as duas culturas, posso afirmar que é tudo mais ou menos por aí mesmo... Afora o senso de humor. Não sei em que ambiente o seu amigo Patrick circula, mas grande parte dos alemães que eu conheço têm um senso de humor afiadíssimo, com uma ironia até, muitas vezes, bem ácida... Minha experiência.

E uma hipótese: acho que a Austrália é um bom exemplo de país que une um pouco dos dois... Mas não tenho certeza, nunca fui.. Só minha impressão!!!

Um beijo, Bernardinho... Ah, e muda meu email nos seus contatos pra kauadams@gmail.com ... o hotmail eu não uso!

neco tabosa said...

[OFF TOPIC]

http://filipetadamassa.blogspot.com/2009/03/movimento-pela-marcha-unzinhocom.html

Temos um encontro marcado com a democracia esse ano.

Em breve vamos marchar juntos com cidades do mundo inteiro em prol da legalização da maconha. É um movimento importantíssimo. Educar, esclarecer, protestar, dialogar e manifestar.
Precisamos de união para conquistar voz ativa.
Precisamos de grana para viabilizar isso tudo.
Precisamos de opiniões, idéias e participações.
VOCÊ PODE AJUDAR!

Neste final de semana (14 ou 15 março) escreva em seu Blog, Twitter, Messenger, Orkut, Facebook, myspace…sua opinião, idéia ou manifesto com o título “MOVIMENTO PELA MARCHA”
Não se esqueça de enviar o link do seu post para queima@unzinho.com

Iremos fazer um post especial com os links dos posts gerados pela galera.

ENVIE ESSE POST PARA AMIGOS, CONHECIDOS E TODOS MAIS QUE PUDER.
Valeu!

Anonymous said...

Cadê a regularidade na escrita?
assim num dá... assim não é possível!!! bjka

Anonymous said...

Eu passei por uma situação semelhante no Canadá.

Eu estava voltando andando pra casa de madrugada e eu morava num lugar mais afastado, onde tinha pouca gente e pouco carro até na hora do rush. Lá pelas três da manhã, avitei de longe um carro parado no sinal vermelho, mesmo sem a presença de qualquer espírito por perto. Fiquei embasbacado porque o cara ficou alguns segundos lá esperando o sinal abrir enquanto o vento passa às 3h da matina, num frio de rachar.

Eu acho o pessoal de Vancouver, no Canadá, cordial e civilizado - seguidor das regras. Eles podem não tão festeiros quanto os brasileiros, mas são bem cordiais, sim.

Eu também acho que o brasileiro confunde a sua energia para a festa com humanidade, hospitalidade e tal. Tudo bem, ele não tão frio quanto os nórdicos, mas também não é aquele povo maravilhoso caloroso que pensa ser.

Só minha opinião.
Marcos Velloso