Wednesday, May 27, 2009

Divisas para quem precisa

O jovem rapper dispara sua arte. As legendas tentam dar conta das velozes rimas em turco, há uma clara sensação de perda de conteúdo para o espectador. Mas o que causa impacto não precisa de tradução: a cadência e o peso da levada do rapaz, com suas marteladas verbais precisas e vigorosas, sugerem a quantidade de energia investida no ato de cantar aquele rap, que termina com o suor escorrendo pelo pescoço do artista, e uma descarga de adrenalina percorrendo o corpo de quem presenciou o ato, mesmo distante no espaço e no tempo, através da mágica do cinema.

Atravessando a Ponte – O Som de Istambul, é um filme repleto de momentos musicais marcantes. Dirigido por Fatih Akin, um alemão de ascendência turca, o filme mostra o músico alemão Alexander Hacke em busca das diversas sonoridades produzidas na capital da Turquia. Desde as mais tradicionais, mais próximas do que tendemos a classificar como “música árabe”, até gêneros que nos soam mais familiares, como o rock, o rap e a música eletrônica. E, sobretudo, o filme mostra o diálogo entre esses dois pólos, e que novas formas de expressão surgem a partir daí.

Istambul, a antiga Constantinopla dos livros de História, é uma cidade dividida entre Europa e Ásia pelo estreito de Bósforo, divisa geográfica entre os dois continentes. Na abertura do filme, a banda local de rock psicodélico Baba Zula toca numa embarcação a navegar pelo Bósforo. Hacke participa do ato, cujo som incorpora temas turcos às bases de rock. É uma cena síntese da idéia que permeia todo o filme: o encontro do ocidente com o oriente a mostrar que essa linha divisória pode ser mais tênue do que imaginamos.

O filme mostra, através da música, como a linha-divisa-ocidente-oriente ganha ou perde força, nos dois lados: há as bandas de rock que fazem um som muito próximo do americano, há a cantora duma espécie de “fado turco” que se preocupa com a pureza do seu ritmo, que já foi perseguido por razões políticas. E há diversos artistas fazendo um som que bebe nas duas fontes, como o grupo de música eletrônica com flautas ciganas, ou o rapper cujo ritmo é totalmente diferente daquele com o qual estamos acostumados. Fica claro o quanto expressões culturais podem ser remodeladas, a partir da incorporação de novas referências, gerando obras diferenciadas de suas formas originais. Impossível não lembrar de Recife, onde ocorreu, com o Manguebit, um fenômeno parecido.

Atravessando a Ponte mostra que tanto o lado de lá quanto o de cá possuem muitas características em comum. Passado e presente, oriente e ocidente, o filme mostra como a cultura se nutre desses eixos, seja para reforçar suas divisas, seja para enfraquece-las. E, mais importante que essas linhas divisórias, é o talento, a qualidade da expressão. E isso, como o filme deixa claro, não conhece fronteiras.

7 comments:

Anonymous said...

Se a sua professora não te der um `10 eu vou na catolica conversar com ela ;) Muito boa a resenha!

Sobre o filme, fiquei com muita vontade de assistir, vc ainda tem ele em casa?
Me empresta ou assiste comigo?
Se você escolher a segunda opcão prometo guarana, pipoca e brigadeiro...
beijos, Lili

Anonymous said...

Muiito Bom Bernardo!!!Como sempre bom nas palavras..
:)

Fernanda

Unknown said...

Eu ia comentar escrevendo: "Assiste com ela, Bernardo!", mas ia mudar totalmente o foco.

Se a idéia de uma resenha é queimar ou promover um filme, você fez isso de forma perfeita. Fiquei com vontade de assistir!

Abraço

Anonymous said...

Muito boa, Berna. É bom demais ler textos dos amigos quando escrevemos sobre a mesma coisa. As perspectivas diferentes são exercício fantástico.

beijo.

Unknown said...

Meu amigo, estou com saudade dos seus posts. Escreve sobre qualquer coisa aí. Substituto do protocolo de Kyoto, ou o cachorro do Obama.

Abraço

Alexandre said...

Aê Wally, discordo de todo mundo aí.

Parece que to lendo aqueles textos prontos de jornais...

Oa, talvez eu volte pra Recife esse mês agora. Se der queria até trocar umas idéias contigo pra decidir, hehe.

Flw!

Abraços!

Anonymous said...

olá,
e a expedição pela sulamérica? num rendeu nenhuma fotinha, nenhum textículo? - que tal compartilhar dita experiência com "nosotros" comuns mortais e leitores de seu blog?