Friday, December 01, 2006

Astronautas

Vi um filme muito bacana essa semana. Os Astronautas. É a história de um viciado em heroína que, aos 40 anos, decide largar o vício. Ele não tem um emprego, mora num cortiço, sozinho. E carrega o estigma de ser visto pelas outras pessoas como um louco - ele realmente se comporta como um, em algumas situações. Poeta, com algum talento para artes plásticas e amante da música underground, ele é o que os americanos chamam de fracassado. Alguém que não conseguiu vencer na vida. E isso nos leva a alguns pontos interessantes.

"Vencer na vida" é a medida pela qual as pessoas normalmente avaliam umas às outras. Significa um bom emprego, que viabilize seu sustento e garanta o acesso a supérfluos que já se tornaram essenciais. Significa ter alguém para amar, mesmo que esse "alguém" se alterne em vários ao longo do tempo. Significa ser visto com respeito e simpatia pelos outros, cabendo aí alguma inveja da sua posição. Significa ter superado os vários obstáculos que separam a maioria das pessoas desse objetivo (algumas pessoas já nascem com a "vida vencida", mas elas são estatisticamente desprezíveis). Aos 40 anos, espera-se que você tenha "chegado lá", ou pelo menos subido uns bons degraus na escada. Essa é a visão dominante.

Há quem discorde. Existem os que querem nada mais que "uma casa no campo, onde possam plantar seus amigos, discos e livros" (http://www.box.net/public/7v6r0kfiui). Ou os que sabem "o quanto é difícil encontrar, de 10 homens ricos, apenas 1 com uma mente satisfeita" (http://www.box.net/public/q56e34l8hy). Ou ainda os que dizem "que não é preciso achar solução para vida, ela não é uma equação, não tem de ser resolvida" (http://www.box.net/public/rtmt8kjtfj). Estas idéias alimentam os que não querem medir a si e aos outros pelo critério "vencer na vida". Não querem fazer parte desse sistema, e são vistos como astronautas pelos adeptos dele. "Se antene, se ligue, caia fora". E então chegamos à questão das drogas.

A realidade nos afeta a partir do modo pelo qual a percebemos. Se alteramos essa percepção, a sensação é a de alterar a realidade, embora isso não aconteça de fato. A realidade permanece a mesma, embora ofereça incontáveis maneiras de ser percebida. Podemos ir embora para Pasárgada no fim do dia, para aliviar as pressões do cotidiano, ou simplesmente porque lá é melhor que aqui. No entanto, a passagem de ida para Pasárgada, oferecida pelas drogas, não custa o mesmo que a passagem de volta, se você resolveu morar de vez na cidade. Para ir, basta algum dinheiro. Para voltar, é preciso uma tremenda força de vontade, que a própria estadia em Pasárgada já fez questão de enfraquecer.

"O refúgio em Pasárgada é um consolo para os fracassados que não conseguiram vencer na vida", diriam os poderosos, do alto da escada. "Prefiro viver em Pasárgada do que fazer parte da podridão que alimenta esse sistema", diria um hóspede de longa data da cidade. "Eu prefiro um galope soberano à loucura do mundo me entregar" (http://www.box.net/public/cpf9nukyuv), já disse Zé Ramalho, que volta e meia vai para Pasárgada, mas sempre volta a esse "mundo louco", para contar o que viu por lá. Ele prova que astronautas podem viver bem na terra. É só não se perder no espaço.

5 comments:

Anonymous said...

cinema ou locadora?

Laura said...

Sem dúvida.

Bernardo said...

foi no cinema, no festival da fundaj! :)

Anonymous said...

Dá pra ir pra Pasárgada (ou uma cidade vizinha) com meditação?
Dizem que Rousseau conseguia.

Silvio.

Bernardo said...

Eu já ouvi maravilhas a respeito de meditação e yoga. Não me dediquei o suficiente pra comprovar a ida a Pasárgada, mas quero fazê-lo. É bem mais trabalhoso, mas deve ser bem mais gratificante. E sem contra-indicações.