Astolfo e Olarico caminhavam sem destino. Era um bom programa de fim de tarde; bairro tranquilo, poucos carros, alguma brisa. Astolfo parara de fumar há alguns meses; Olarico continuava sem perder a oportunidade de soltar fumaça com gracinhas.
- Desde que tu parou de fumar que tás assim, nessa apatia de anta paralítica.
- Claro, lascar meu organismo pra nada me dava uma energia indescritível.
Olarico tragou forte, e fez aquela cara de sabedor dos grandes segredos, que todo fumante faz:
- Essa é a questão, você não tava nem aí se dentinho ia amarelar, ou se pulmão ia ficar pretinho, nem pensava no câncer ou no efisema. Você era um fumante despreocupado e divertido, agora é um ex-fumante preocupado e apático. Que progresso, heim?
Era por coisas como essa que Astolfo tinha grande consideração por Olarico, o rei dos contrapontos divertidos.
- Minha apatia não tem nada a ver com cigarro, meu caro. Tem a ver com onde estou, e onde deveria estar, e não saber onde quero estar.
Olarico deu outra profunda tragada, prenúncio de outra "grande verdade", mas calou-se. No fundo se sentia como o amigo, embora não curtisse muito conversar sobre isso. Preferia pensar a respeito sozinho, com tragadas profundas, mas sem grandes verdades.
Astolfo continuou: - Sabe quando você olha para quem você era há oito anos, e sente vontade de voltar a ser aquele cara? Isso é normal acontecer - quando se tem cinquenta, pensando nos vinte e poucos.
- Eu diria que há oito anos você não tava nem aí se era normal ou não. Aliás, a maior parte das pessoas diria que não.
- É, eu sei, mas não é esse o ponto. O lance é o entusiasmo, a paixão pela vida, que era imensa há oito anos, e hoje mal levanta uma caneta. Não deveria ser assim. Era para eu estar no auge agora, nos meus vinte e poucos.
- Talvez você tenha vivido seus vinte e poucos há oito anos, e agora se encontre em plena crise da meia idade.
- E o que me aguarda depois disso?
Olarico acendeu outro cigarro: - Sei lá. A cova?
- Pra essa você vai na frente, com sua chaminé.
- É melhor queimar do que apagar aos poucos.
- Última frase do bilhete suicida de Kurt Cobain.
Olarico deu outra tragada forte: - É, mas a frase é de uma música de Neil Young, que continua vivo e cantante.
- Eu sei disso... Há oito anos que eu sei disso.
- E há oito anos que eu peguei seu Nevermind emprestado, sem sua permissão, e nunca devolvi.
- Disso eu não sabia.
- Pois é. Tem coisas que é melhor não saber.
3 comments:
Que papo nostálgico. Mas muito bom de ler!
Só não me dê novamente a frustração de acessar todo dia este blog e só ver post uma vez por mês.
(brincadeirinha)
Abraço,
Silvio.
Gosto da idéia de criar personagens pra falar de si mesmo, de finais simples e inusitados também.
Isso é apenas um comentário cretino sobre o comentário de Cejoca:
HAUHAUAHAUAHAUAHAUAHAUAHA
(crise de riso)
P.s.; "Anta paralítica" foi fantástico, quase como "foca mongol".
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